tag:blogger.com,1999:blog-27008897250091985022024-03-19T03:25:22.457-07:00Bendito EspectroIsolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.comBlogger56125tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-47429514556589299962018-01-03T17:21:00.004-08:002018-01-03T18:17:14.558-08:00Despedida<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigJadvl41tIyQkA8Vilrowk2wHIBQESG_7c_uNlf4FhVUibjISvepbSMOAgapJEPibFFgjYTvkAIHRqxUQr2s_OC_rc38lSlRmTnAaDQfWVaa_h7wAcNhTRg8d3oKLLVvjlMZwh7eeF4M/s1600/IMG-20170901-WA0005.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><i><img border="0" data-original-height="1280" data-original-width="720" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigJadvl41tIyQkA8Vilrowk2wHIBQESG_7c_uNlf4FhVUibjISvepbSMOAgapJEPibFFgjYTvkAIHRqxUQr2s_OC_rc38lSlRmTnAaDQfWVaa_h7wAcNhTRg8d3oKLLVvjlMZwh7eeF4M/s320/IMG-20170901-WA0005.jpg" width="180" /></i></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Tomé e Bento brincando de esconde-esconde (arquivo/2017)</i></td></tr>
</tbody></table>
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Não, não é um título de impacto. Estou me despedindo mesmo. Do blog Bendito Espectro e da página do Facebook que me possibilitou o contato com pessoas e histórias emocionantes e permitiu que eu apresentasse um pouco da história da minha família desde que o autismo do meu filho Bento se revelou para nós, pouco antes dele completar três aninhos, em 2015.</div>
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Neste mesmo ano iniciei um blog em modo privado, só eu lia o que escrevia, uma espécie de diário, registro, para aprender a lidar com tanta coisa nova, tantas descobertas que me tiraram o sono antes de meu coração sossegar no sossego do entendimento. Sim, ainda me pego em desassossego por motivos novos, por motivos antigos que renascem, por fragilidade. Quando lhes disserem que o autismo é uma montanha-russa acreditem, porque é verdade.</div>
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Meses depois de iniciar a escrita, avaliei que seria bom compartilhar o conteúdo que estava gerando, uma chance de aprender no coletivo, conversar com outras famílias, abrandar a solidão dos primeiros tempos. Não foi uma decisão fácil, redes sociais geram a exposição de pessoas e sentimentos e quase nunca é simples dosar. As palavras que escrevo e publico são minhas, mas a vivência é conjunto. Procurei respeitar limites e acredito que me saí bem na maioria das vezes. Avalio positivamente minha presença nas redes, embora ainda hoje não saiba lidar bem com elas enquanto ferramenta – e me atrapalho toda.</div>
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Em 2017 minha família se mudou do Nordeste para o Sul, foi algo brusco para nós – dois guris, uma mulher, um homem e uma gata – e é claro que a <i>vida real</i> engoliu um pedaço enorme da <i>vida virtual</i>, que já era pequenininha. Filhos crescendo, terapeutas, escolas, profissões, clima, trajetos, finanças, saudade, (…), tudo passou a depender de uma nova reação, de um novo olhar, uma nova configuração.<br />
<br />
Mesmo tentando postar com um prazo razoável, o blog ficou meio às moscas, fiz postagens no Facebook cujos comentários de muitos usuários jamais tiveram respostas, alguns foram lidos apressadamente, outros não foram lidos – com o perdão da verdade. Não é dessa maneira que gosto de me relacionar nem com as pessoas nem com o que produzo. O fato é que produzi bastante e considero a decisão de parar digna como a decisão de começar.</div>
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Bento e Tomé estão crescendo a jato, cada qual com suas demandas. Agora mesmo, um está em fase de perder os dentes de leite e o outro de desfraldar. Ah, sem esquecer as férias escolares. Estou aqui sentada escrevendo esse post de despedida, mas poderia estar penteando o cabelo, tomando um banho decente, esticando as pernas amarelas e peludas no sofá, com um livro nas mãos até cochilar, pois já são mais de dez da noite e eles dormem como meninos cansados de folia ou só recarregam as baterias para amanhã. E me desculpem o gerundismo, já fiz coisas piores (risos).</div>
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Talvez eu esteja querendo descansar um pouco e como há muitos itens na minha lista de prioridade que jamais poderei riscar, vou mesmo deixar que a corda se arrebente deste lado mais imaterial, que é o universo virtual. Ratifico o “riscar”, pois o que vivemos não merece ou pode ser apagado, por isso o que gerei de conteúdo permanecerá para eventuais consultas, partilha, enfim. Não pretendo alimentar outros perfis em redes sociais.</div>
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Obrigada pelo carinho, pelo respeito e admiração que trocamos neste período. Bento e Tomé saberão de vocês e do papel que tiveram em nossa jornada.<br />
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Tentem a felicidade!<br />
<b>Isolda.</b></div>
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<br /></div>
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<b>p.s.1: </b>deixo links para blogs com a temática maternidade e autismo que amo muito e gostaria que seguissem – se já não seguem. Detrás deles, duas mães sensíveis e antenadas, Fausta e Andrea, as melhores!
Mundo da Mi <a href="http://mundodami.com/">http://mundodami.com/</a>
Lagarta Vira Pupa <a href="http://lagartavirapupa.com.br/">http://lagartavirapupa.com.br/</a><b>
p.s.2:</b> deixo meu e-mail, porque sou assim mesmo, quase analógica e até mando carta (risos), isoldaherculano@hotmail.com</div>
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<br /></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-32123769031963675832017-10-30T11:05:00.001-07:002017-10-30T14:00:30.360-07:00Ter um irmão com TEA/autismo<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicCcJCVnQ0Kk7Gkf7sC3OHY0gSldKRxstERe7U-RU2MNTHoqQR2K_OfurpSNqVpOSGtVQoRbksarvItXQd1BVa5ZAxPCfIWipIJOkm7qjUFbwKRRbKfOrtn00EDBhBolty3Bn8Cj1QkC8/s1600/bento_5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="485" data-original-width="752" height="257" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicCcJCVnQ0Kk7Gkf7sC3OHY0gSldKRxstERe7U-RU2MNTHoqQR2K_OfurpSNqVpOSGtVQoRbksarvItXQd1BVa5ZAxPCfIWipIJOkm7qjUFbwKRRbKfOrtn00EDBhBolty3Bn8Cj1QkC8/s400/bento_5.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Desejem, filhos, desejem (arquivo/out.2017)</td></tr>
</tbody></table>
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<i>*</i></div>
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<i>- Bom dia, Tomé!</i></div>
<div style="text-align: center;">
<i>- Bom dia, mamãe. Você sonhou com o que?</i></div>
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<i>- Eu sonhei que estava viajando de avião. E você, filho?</i></div>
<div style="text-align: center;">
<i>- Eu sonhei com o Bento.</i></div>
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<i>- Que legal, filho, sonhar com o irmão. E o que o Bento estava fazendo?</i></div>
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<i>- Ele estava na terapia.</i></div>
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<i>*</i></div>
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Esse diálogo entre Tomé e eu foi travado semana passada, assim que acordamos. Tomé é meu filho caçula, tem 2 anos e 4 meses – é uma criança típica. Bento, o mais velho, fez 5 anos recente – é autista leve, asperger.</div>
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<br /></div>
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Bento e Tomé têm diferenças óbvias, que não se resumem à neurodiversidade, claro, são o somatório da fase, do temperamento, das preferências etc. Em casa, procurarmos levar em consideração o fato de serem diferentes para tomarmos decisões também baseadas em quem eles são e não somente no fato de serem irmãos. Ou seja: se um está no judô, não necessariamente os dois precisam estar – são livres para mostrar suas aptidões e a partir da nossa leitura sobre essas aptidões decidimos esporte, outra ocupação, enfim. É o nosso jeito de conduzir o barco. Não buscamos uma fórmula para nada, vamos tentando ser felizes em nossas dificuldades, lembrando sempre que a vida é dinâmica, portanto, não há garantias.</div>
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<br /></div>
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Os dois estudam em escolas diferentes, pois no início do ano Tomé não tinha a idade mínima de 2 anos para ser admitido na escola de Bento. Como cada um teceu seus laços de afeição na escola em que está atualmente não tomamos como obrigatório matriculá-los no mesmo local ano que vem. Claro que é uma tentação. Seria mais cômodo para nós, um ficaria mais perto do outro, ganharíamos um desconto vagabundo, que seja, mas... Com ambos afeiçoados as próprias e diferentes escolas, escolher, nesse momento, seria favorecer um deles em desfavor do outro no que tange à individualidade. É claro que em vários momentos da vida não dá para escapar do favorecimento, porém, quando dá é essa nossa alternativa em família.</div>
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<br /></div>
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O que preciso admitir aqui é: quando falo em favorecimento, entendo que, apesar de tentar ser justa a maior parte do tempo, Tomé acaba tendo a rotina mais influenciada pela rotina do irmão e, muitas vezes, prejudicada porque está comigo esperando a sessão de terapia do Bento acabar, uma aula de natação, uma atividade estruturada em casa que não lhe inclui ao invés de estar dormindo, fazendo suas próprias atividades, atrapalhando o irmão sem que interromper pareça fatal... Confesso que é difícil balancear no dia a dia, pois ele percebe que o tipo de atenção dada ao irmão é outra e me cobra geralmente com desafios e situações que me tiram do sério. Eu entendo a posição de inconformismo dele, do alto dos seus 2 anos de idade, percebo o quanto já reage a isso com um instinto de domínio sobre as situações, comportando-se como se fosse ele o irmão mais velho. Também sinto que Tomé absorve bem mais prontamente meu estado emocional instável e temo que no futuro esse combo lhe faça mais mal do que bem.</div>
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<br /></div>
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Já li alguns artigos, embora sejam raros, sobre o impacto de ter um irmão com TEA/autismo (vou disponibilizar o link para dois deles ao final desse post) e em uma dessas leituras encontrei um dado interessante, embora não confortável. De que “um alto nível de sintomas de depressão materna também estava associado a níveis mais altos de sintomas de depressão e ansiedade nos irmãos sem TEAs”. Sim, é mais um ponto para nossa cota de culpa materna, contudo, faz sentido e nos serve de orientação.</div>
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<br /></div>
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Atenção se o filho não-autista é uma criança que desde cedo precisa encarar o fato de que a) seu irmão tem necessidades específicas (e essas dificuldades nem sempre são discutidas com naturalidade em casa), b) vê seu amadurecimento acelerado e precisa assumir responsabilidades incomuns para a idade, c) convive com uma mãe que pode estar deprimida, possivelmente, por se sentir incapaz dentro de muitas demandas. É muito para uma criança, não acha? Mas, os resultados dessa operação nem sempre aparecem na infância. A tendência é que em irmãos neurotípicos de indivíduos com TEA sintomas de depressão e comportamentos-problema se acentuem na adolescência, afirma um dos estudos.</div>
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<br /></div>
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Voltando ao sonho do meu pequeno Tomé, com o qual iniciei esse post, embora o diálogo tenha soado até engraçadinho, não preciso fingir que não denota uma tensão. As pesquisas já reconhecem isso, o que é bom, e sugerem a necessidade de intervenções que contem com a participação dos irmãos não-autistas, a identificação de estratégias e/ou recursos que possam ajudá-los a lidar com situações estressantes, porém, é tudo muito prematuro, um mundo ainda precisa se abrir nessa direção. Quando isso acontecer, quem sabe sentiremos o alívio de ter sempre apontado o leme para a lado certo, sem bússola, guiados só pelo amor e a intuição. Caso contrário, que haja ainda muito mar para navegar. </div>
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<br /></div>
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Bento e Tomé têm um amor transcendente um pelo outro, é incrível vê-los juntos brincando, fazendo qualquer coisa ou nada. Sendo o que são: irmãos.</div>
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____________</div>
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Artigos citados:</div>
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<a href="http://www.ama.org.br/site/images/home/Artigos/SeraqueosirmaosdepessoascomTEAsaomaisvulneraveis.pdf">http://www.ama.org.br/site/images/home/Artigos/SeraqueosirmaosdepessoascomTEAsaomaisvulneraveis.pdf</a></div>
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<br /></div>
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<a href="http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCBS/Pos-Graduacao/Docs/Cadernos/Volume_12/Artigo_1_Breve_discussao_sobre_o_impacto.pdf">http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCBS/Pos-Graduacao/Docs/Cadernos/Volume_12/Artigo_1_Breve_discussao_sobre_o_impacto.pdf</a></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-39582695471735907052017-08-24T10:36:00.000-07:002019-01-04T09:00:15.288-08:00Um texto longo e sofrido sobre autismo, depressão e maternidade<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzWQw5x1lSBpQofOoCT6JVrr28YGSCVyc4AXh2NFhx1mWMSxENDV5RPFHi_5JJm46mn6FbMvAfEJ4DIPz8y9Zs6raUmq50oCNeJSw2WrsaB3ceId7Jj3qBCUIk23iLRPif5n3NIJmmxaw/s1600/nllk%25C3%25A7.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="379" data-original-width="499" height="242" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzWQw5x1lSBpQofOoCT6JVrr28YGSCVyc4AXh2NFhx1mWMSxENDV5RPFHi_5JJm46mn6FbMvAfEJ4DIPz8y9Zs6raUmq50oCNeJSw2WrsaB3ceId7Jj3qBCUIk23iLRPif5n3NIJmmxaw/s320/nllk%25C3%25A7.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Google Imagens</i></td></tr>
</tbody></table>
Eu sei que há muitas mães sofrendo agora, nesse momento mesmo em que escrevo. Arrisco dizer que a maioria delas está sofrendo sozinha, na solidão de seus medos, vergonhas, planos interrompidos. Também arrisco dizer que a maioria das que tem uma criança em investigação ou com diagnóstico de autismo acredita que a razão desse sofrimento todo é o autismo em si. Tudo mudou desde que essa palavra começou a rondar a vida delas; tudo mudou entre a negação e as visitas anônimas a sites sobre o assunto e blogs de mães de autistas; tudo mudou enquanto insistiam no ar de total normalidade. Então, embora eu já tenha adiado a escrita desse texto milhões de vezes, talvez seja a hora de dizer com todas as palavras que sou uma mãe como vocês, que passei e ainda passo pelas mesmas angústias e que, quem sabe, juntando a minha solidão com as suas, eu me sinta menos só e vocês sintam o mesmo.</div>
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<br /></div>
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Preciso começar dizendo que quando vieram as primeiras desconfianças de que Bento, à época com pouco mais de 2 anos, tinha alterações no desenvolvimento compatíveis com o quadro de autismo eu estava grávida do meu segundo filho, Tomé. Como se pode intuir a partir dessa informação, tive uma gravidez tensa, angustiada e com pouco ânimo. Eu sabia nada de autismo e optei por não dividir minhas desconfianças com ninguém – afinal, até eu desconfiava delas. Dei um pouco de tempo ao tempo (pouco mesmo, poucos meses) e fui me munindo do máximo de informação que conseguia, lembrando de vez em quando que era uma mulher grávida, para me obrigar a parar e respirar.</div>
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<br /></div>
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Chegou um ponto que meu ânimo com a gravidez estava tão baixo, embora fosse tudo bem comigo e com o bebê planejado, que meu obstetra percebeu algo errado. Em conversa com ele, sem mencionar autismo, contei de algumas coisas estranhas que estavam acontecendo comigo: a todo tempo eu tinha medo de morrer, medo que meus filhos morressem, tinha medo de pegar o carro e sair, pois sempre imaginava que sofreríamos um acidente ou seríamos assaltados, sequestrados, assassinados, coisas do tipo. Nessa época eu deixei de ter sonhos quando dormia e passei a ter exclusivamente pesadelos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Ele me encaminhou para uma psicóloga que era especialista em conflitos na maternidade, disse que eu estava precisando de acompanhamento e que as coisas que sentia não eram incomuns como eu pensava. Coloquei o cartãozinho na bolsa. Resultado: não fui à psicóloga coisa nenhuma e durante as consultas de rotina da gravidez fingi ter melhorado. Na verdade, estava tão angustiada que até vínculo com meu bebê ficou difícil estabelecer. Dividi um pouco da angústia com meu marido, que me apoiou, mas eu estava a poucos meses de parir e direcionamos o foco para esse momento. Minha família inteira mora muito distante (Pernambuco), a família dele também (Ceará) e ele trabalhava demais nesse período, sendo uma ausência constante para nós durante a gravidez e durante o primeiro ano de vida de Tomé. Fui literalmente engolida pela solidão até que Tomé nasceu e, então, solidão e cansaço físico se misturaram de um jeito que eu me perdi totalmente de mim.</div>
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<br /></div>
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Com poucos meses de vida de Tomé, Bento começou as terapias (fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e psicóloga), sugestão de uma ótima psiquiatra infantil que conhecemos. Essa psiquiatra de gente pequena notou minha imensa agonia de gente grande só de conversar comigo e me indicou um colega. Pela segunda vez peguei a indicação e nunca procurei o profissional. Era uma espécie de autossabotagem, porém, eu não percebia. Achava o seguinte: quem precisa de ajuda é meu filho, não eu, e não podemos gastar dinheiro com isso. Quando o terceiro médico, a pediatra de Tomé, disse que eu precisava me tratar, escutei com um pouco mais de seriedade. Não podia ser coincidência. Como eu tinha plano de saúde, resolvi buscar no catálogo do convênio um profissional por acaso. Encontrei vaga numa psicóloga que encaixava certinho no horário em que Bento estava na fono; se tudo corresse bem conseguiria dar um pulo lá e voltar para buscá-lo a tempo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Foi nesse consultório, em dez sessões de trinta minutos cada, que tive certeza que quase toda angústia que o autismo do meu filho fez despertar já estava em mim eu não percebi. Estava na solidão que eu cultivava a anos, na falta de amigos, familiares e vida social. Estava no abandono da vida profissional, na ausência de autoestima, na eterna espera que tinha se transformado meu casamento. Foi lá que olhei para mim e vi que tinha deixado de ser uma pessoa e me tornado uma máquina de cumprir tarefas e que nenhuma dessas tarefas me incluía como beneficiária direta. Lá me descobri há anos sem ir ao cinema, há anos sem escutar uma música, há anos sem ler um livro ou escrever (lista de supermercado não vale!).</div>
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<br /></div>
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Quando o autismo chegou e tocou essa realidade com a fúria de um leão comecei a sofrer consequências psíquicas e físicas desse choque. Desenvolvi uma espécie de transtorno, e durou alguns meses, em que, por exemplo, eu descia e subia as escadas de casa várias vezes durante a noite para conferir se as portas e janelas estavam fechadas, mesmo muito cansada, mesmo sabendo que elas estavam fechadas sim. Ou voltava para conferir várias vezes se tinha acionado o alarme do carro, se tinha estacionado direito. Tantas vezes deixei de comer, almoçar principalmente, pois acreditava que a comida não passaria pela minha garganta, que eu não conseguiria engolir, que morreria sufocada. Uma severa queda de cabelo deixou uma cratera evidente no topo do meu couro cabeludo, um tipo de calvície que ainda tento reverter. E mais: percorri esse caminho quase sempre com um sorriso nos lábios, para que ninguém me percebesse daquele jeito e para que eu mesma não acreditasse no que sentia. Depois dessas dez sessões tão reveladoras não tive mais coragem de voltar à terapia, fugi como uma criança amedrontada, mas sinto uma gratidão sem fim pela psicóloga do plano de saúde que me ajudou em Maceió, em 2016, talvez meu pior ano, e também o que chamo de "ano essencial".</div>
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<br /></div>
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Ela me fez ver que provavelmente eu comecei um processo depressivo poucos meses depois do meu filho Bento nascer, que se arrastou pela gravidez e o nascimento do Tomé e pelo diagnóstico de autismo de Bento. Esse processo deve acomodar melancolias da minha infância e adolescência, inclusive. Eu fui uma criança e uma adolescente melancólica, sem dúvida, contudo, sempre com aquele sorriso nos lábios. Não foi o autismo que me trouxe tudo, agora isso é claro, mas quando o autismo chegou eu obviamente não tinha base de sustentação emocional para encará-lo (só achava que tinha) e precisava de um culpado exclusivo para aquelas peças mal encaixadas no meu jogo de tabuleiro imaginário. Hoje eu preciso buscar essa base que está em lugares acessíveis: em mim, na minha família, no meu ciclo de convívio, nas atividades que me podem devolver qualquer tipo de prazer, na arte, numa bandeira específica ou até numa refeição que já não temo engolir. Nem sempre consigo, tenho altos e baixos, como todo mundo.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse processo de reencontro, a informação e a rede de conexões em que me sinto envolvida por conta do autismo agora me ajudam a compreender melhor as peculiaridades do meu filho e a me posicionar o mais confortável possível dentro dessa maternidade peculiar. Criar uma agenda positiva para o autismo, através de um blog como esse, é uma das minhas gambiarras terapêuticas e meu foco é realmente nas mães, por motivos óbvios. As mães precisam se sentir amparadas para amparar ou em caso de desmoronamento delas, tudo em volta desmorona junto, e a primeira vítima de uma queda brusca assim é, sem dúvida, o filho que necessita de mais cuidados.</div>
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<br /></div>
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Isso não quer dizer que o autismo dos nossos filhos, por si só, não nos meta todos os dias em picos de desânimo e até desespero; em especial, quando esse autismo está associado a outros fatores (biológicos, familiares, sociais) que criam enormes barreiras para o autista expandir suas formas de sintonia com ele mesmo, com as outras pessoas e com o mundo a sua volta. Quer dizer que quando esse desânimo e esse desespero chegarem terão uma força devastadora se encontrarem alguém já emocionalmente em fagulhas, prestes a explodir. Às vezes, o autismo parece a bomba, quando, na verdade, é o estopim. </div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com20tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-26829253218944470892017-07-20T11:20:00.001-07:002017-07-20T16:46:19.177-07:00Autismo: que luta é essa?<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUBkGGavD9S_1bn4aVPaOmDTybBUudHpsYRPcyFkgPoulHU8ZCzwSbl3pQ73BbnjJ9CDDT4MVnPzB6BlgCM8LKhmEvBz1JGxZz4nIbDpdzLMMoJ_GQVmTI1N8L04V7bwtNnX4-8yodCG4/s1600/IMG-20170712-WA0066.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="878" data-original-width="659" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUBkGGavD9S_1bn4aVPaOmDTybBUudHpsYRPcyFkgPoulHU8ZCzwSbl3pQ73BbnjJ9CDDT4MVnPzB6BlgCM8LKhmEvBz1JGxZz4nIbDpdzLMMoJ_GQVmTI1N8L04V7bwtNnX4-8yodCG4/s320/IMG-20170712-WA0066.jpg" width="240" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">E quem não lutaria por esse sorriso? (arquivo/2017)</td></tr>
</tbody></table>
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<br /></div>
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Já escrevi algumas vezes sobre os sentimentos que me tomaram desde que comecei a desconfiar que o desenvolvimento do meu primeiro filho, Bento, corria fora dos trilhos. Solidão, medo, culpa, tristeza são alguns deles. Senti tudo isso, claro, e senti muito mais. Tive que me deparar com sensações que me deixam pouco à vontade hoje, quando relembro, e preciso me esconder delas na tentativa vã de acreditar que jamais existiram.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Foi devastador encarar a primeira vez a palavra <i>autismo</i> e de forma tão íntima, porque eu não sabia, em absoluto, do que se tratava e imaginava o pior. Minha capacidade de raciocínio deve ter atingido o nível mais elementar. O emocional e o instintivo assumiram, então, as rédeas – decerto, o que me salvou. Olhava meu filhinho na casa dos dois anos e ele importava, nada mais. Se o autismo era um desconhecido, meu filho não era. Mentalizei que nenhuma condição seria para mim mais marcante do que sua condição de filho, de ser que amo, e consegui sair da bolha que me encontrava no início, uma bolha de conceitos equivocados. Essa foi a minha luta número um, a luta particular.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Com sorte, nossa família encontrou, logo no começo da caminhada, excelentes profissionais, que nos ajudaram a compreender e a buscar a compreensão no fato do nosso filho ser uma pessoa única e de seu autismo também ser único. Eles nos disseram algo que faz bastante sentido: por mais que Transtornos do Espectro do Autismo (Tea) seja uma classificação para sujeitos com características comuns, as crianças com autismo têm sua natureza própria e estão em constante construção de identidade, como as outras. Hoje não é surpreendente para mim encontrar tantos autistas diferentes, com habilidades e dificuldades que variam tanto – até entre os classificados num único “grau”. Naquela época eu acreditava que autismo era uma espécie de “combo” e que autistas eram como crianças em série com os mesmos “itens de pacote”.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, os itens de série existem. Eu posso enxergar no seu filho autista muito do meu filho autista, ainda que eles estejam localizados em pontos distantes no que definem como espectro. Talvez os dois gostem de pular freneticamente, de repetir frases feitas e tenham sensibilidade auditiva. E talvez só um deles desenvolveu leitura precoce, gosta de girar as rodas dos carrinhos de brinquedo, balança o corpo para frente e para trás. Cada uma dessas crianças acena para a família, a escola, o sistema de saúde, a sociedade etc. que tem uma demanda própria. A grande tentativa que me atiro todos os dias agora é essa: compreender as particularidades. É também esse meu esforço quando estou em contato com todo o raio de convivência do meu filho: que as particularidades sejam levadas em conta. Mas, a aceitação de que a pessoa com autismo não deve ser generalizada é difícil para a maioria. Foi essa compreensão que me levou à luta seguinte, a luta coletiva – cujo armamento, por exemplo, inclui esse blog.<br />
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<div style="text-align: justify;">
Existem caixas no sistema educacional, caixas nas relações sociais, caixas no mercado de trabalho e caixas até no campo afetivo. Não “encaixar” é uma espécie de oitavo pecado capital. Crianças que não “encaixam” (e entre elas há um universo infinitamente maior que o universo do autismo) foram por muito tempo relegadas à vala funda da exclusão, e infelizmente continuam a ser. Hoje, mesmo que <i>inclusão</i> seja mais uma palavra da moda do que uma prática, temos a oportunidade de lutar para que a adaptação (de conteúdos e situações) exista e permita que indivíduos com potencial diferente possam contribuir num grupo, cada qual a sua maneira. Não foi sempre assim e não viemos parar aqui por sorte ou acaso, há muita gente engajada nessa luta, porém, há também muito espaço vazio precisando ser preenchido.<br />
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A luta pela escola inclusiva, pelo mercado inclusivo, pela comunidade inclusiva, pelos meios de comunicação inclusivos, pela família inclusiva, não é uma busca de favorecimento à pessoa com deficiência em detrimento das demais, como tantas pessoas físicas e jurídicas (!) entendem e querem fazer entender. Essa é uma luta por oportunidades justas de aprendizagem, trabalho e convivência social. Tão importante quanto saber usar as armas certas (coragem, conhecimento, amparo legal) é ter capacidade de desarmar o oponente, desarmá-lo do preconceito.<br />
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Para isso, não precisa ter um blog, lançar um livro ou estar na tevê. Mas, precisa sair da bolha. Dizer para si, para os outros e para os próprios autistas (há pais que nunca disseram a seus filhos o nome da sua condição): o autismo existe e está aqui. Dizer: meu filho é autista e vai à escola regular ou especial, às festinhas da família, aos clubes, aos parques, às oficinas de arte, às modalidades de esporte, aos shoppings centers, à igreja, à busca do emprego... E não o discurso contrário. Esse parece o primeiro passo. E antes que alguém pergunte “é só isso?”, advirto: sim, e vai ser difícil. </div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-26282759224950499822017-06-07T10:54:00.002-07:002017-06-07T11:09:03.546-07:00Meu filho diferente<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrgWjGoFGlpjW8AS82swn-18qQEYVDfsDb2G2DGXKUFlYkWPYiKR82ajEH3avtPZqDtkTDsN9hiTpuJ1jhynvKXar6mG4DDf-ioYOJnaBkuLWECow5V2XeWmHi3Byq8IkWt611t7oLFwQ/s1600/autismo-po.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="744" data-original-width="1000" height="238" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrgWjGoFGlpjW8AS82swn-18qQEYVDfsDb2G2DGXKUFlYkWPYiKR82ajEH3avtPZqDtkTDsN9hiTpuJ1jhynvKXar6mG4DDf-ioYOJnaBkuLWECow5V2XeWmHi3Byq8IkWt611t7oLFwQ/s320/autismo-po.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fonte: Google Imagens.</td></tr>
</tbody></table>
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<br /></div>
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Durante o final de semana encontramos um coleguinha de turma do Bento numa lanchonete. Eu adoro conversar com esses pequenos, que acabam me passando muita informação sobre a escola que não obtenho do meu próprio filho, por sua dificuldade óbvia de comunicação. Através deles, fico sabendo de forma mais solta – não apenas pelos relatos profissionais – que ele sai da sala de aula com frequência, deixa de prestar atenção a qualquer coisa para ler gibis etc.</div>
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<br /></div>
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Na lanchonete, papai Julio e eu estávamos sentados escolhendo o pedido, enquanto Tomé (meu mais novo) e Bento já brincavam no espaço <i>kids</i>. O coleguinha chegou de mansinho, falou com Bento, que não respondeu. Percebendo o imbróglio fui lá intermediar – mães de autistas são intermediadoras natas. Eu conhecia o menininho de vista, só não sabia que ele era da turma do meu filho, achei que estivesse uma à frente, coisa que o menino me esclareceu de pronto, dizendo ser da mesma sala e ter a mesma professora, claro. Resolvido o mal entendido, perguntei ao pequeno, quando já estávamos à mesa lanchando, como era o Bento na sala de aula. </div>
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<br /></div>
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- Ele é diferente dos outros.</div>
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Bem, eu sei que meu filho é diferente, mas a frase saindo da boca daquela criança ainda me causou algum espanto, muito espanto na verdade. Bento estava do nosso lado e só ouvia, sem reagir ao que era dito. Instiguei um pouco mais: ele é diferente, como?</div>
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<br /></div>
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- Ele não fala com ninguém. Só às vezes.</div>
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<br /></div>
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Não preciso mentir ou dizer que isso não bateu forte em meu coração. Bateu. E no do pai também. Nosso filho é diferente. Nós sabemos disso. Os médicos e terapeutas sabem disso. A escola sabe disso. Todas as pessoas a quem posso atingir com minha vivência (dentro ou fora do nosso ciclo social e familiar) sabem disso. As outras crianças sabem disso. Não é novidade para ninguém, porém, a pergunta que não quer calar é: o quanto ser diferente vai fazer diferença na vida do meu filho? Essa questão, formulada pela minha própria ansiedade, jamais será respondida sem que eu tenha que apelar para a futorologia. E futuro é um brinquedo que não está em nossas mãos. Existe o presente, é só com ele que podemos brincar. </div>
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<br /></div>
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Muitas outras coisas foram ditas naquela mesa, o pequeno era um verdadeiro tagarela, como a quase totalidade das crianças da classe de Bento. Sempre estimulado por minhas perguntas, ele revelou que Bento gosta muito de parquinho e de maçã, além dos gibis, e sobre rotinas da escola. Quando a conversa começou a ficar chata, tipo conversa de adulto, as crianças voltaram para a ala infantil. Bento deitou naquela posição clássica que vários autistas, e não somente autistas, gostam de brincar (como a foto que ilustra esse post), ele tinha um boneco nas mãos. O coleguinha, então, posicionou-se da mesma maneira para iniciar a tentativa de interação. Vejam bem, a criança típica sem nenhum treinamento prévio sentiu a criança atípica. Ela sabe que meu filho Bento é diferente e, por instinto, ela também sabe que as diferenças dele não inviabilizam suas relações. Em pouquíssimo tempo os dois estavam brincando de luta, cada qual com seu boneco. O colega investia em provocar (“bate o meu”) e Bento respondia batendo e rindo, não apenas por saber atender à instrução, a resposta vinha do fato de ele estar à vontade diante do outro para agir. Foi muito emocionante ver aquilo acontecer minutos depois da pressão das pequenas frases daquele garoto desconhecido e íntimo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, já tive a fase de pensar que meu filho não teria amigos. No começo de tudo, pois ele parecia não se conectar com os outros. Eu sempre interpretei que ele não queria essa ligação, só depois aprendi a ler nas entrelinhas, a perceber quando ele queria e não conseguia; quando ele precisava de ajuda, contudo, não sabia pedir ajuda, e quando ele estava reivindicando mesmo seu direito à solidão. Depois passei para a fase de pensar que ele terá amigos, mas poucos, talvez pouquíssimos, como eu mesma. E se você me perguntar: quantos? Diante dessa cena e de tantas cenas que a vida nos oferta todos os dias para que aprendamos a entender a existência de uma forma mais generosa, até tenho uma resposta pronta para quantos amigos meu filho terá: todos os que verdadeiramente importam. </div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-34114920780130465432017-05-15T05:47:00.001-07:002017-05-15T10:39:49.836-07:00Autismo: corrigir ou adaptar? <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEuEH5rcVykWfroIE8T8PoUFYUTYFsv5IaClZBX7MtNvwzSSC0v_9_qYaM96ArPhHe9mMcs7JO6v5u3K4UA0HHU6LniRU-iGK5iLTvlUSqLs_FJweurn7QNQY1G-2OwTTkF8gQbrS5XC8/s1600/IMG_20170515_091030857-2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEuEH5rcVykWfroIE8T8PoUFYUTYFsv5IaClZBX7MtNvwzSSC0v_9_qYaM96ArPhHe9mMcs7JO6v5u3K4UA0HHU6LniRU-iGK5iLTvlUSqLs_FJweurn7QNQY1G-2OwTTkF8gQbrS5XC8/s320/IMG_20170515_091030857-2.jpg" width="180" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Arquivo pessoal/2017</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Tenho plena consciência de que entendo pouco de autismo, porém, entendo muito dos meus filhos. O filho é apresentado à mãe antes de ser apresentado ao mundo. O sentimento de maternidade precede o nascimento e passa por um aprimoramento que deve durar até o fim da vida. Esse é meu entendimento e a forma mais clara que encontrei para relembrar que a criança chega ao lar antes do diagnóstico de autismo. Antes de você conhecer o nome e a face da condição que possivelmente explica diversas das dificuldades de desenvolvimento do seu filho, as dificuldades já existiam. E você lidava com elas de forma correta, incorreta, com tranquilidade ou desespero.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Eu sempre trabalhei com a intuição em relação aos meus pequenos. Quando Bento começou a apresentar indícios de desenvolvimento atípico tentei ajudar como pude. As primeiras questões que apareceram foram sensoriais (como sensibilidade ao barulho), motoras (até hoje ele tem dificuldade de descer escada sem apoio, por exemplo), de linguagem (falava, contudo, não conversava) e de interação (dificuldade de se envolver com outras crianças). Havia pontos que eu não considerava tão problemáticos assim, apenas estranhava, pois não via outras crianças se manifestando daquela forma – parecia algo único e incompreensível: quando ele balançava as mãos freneticamente (flapping), dava “tchau” ao contrário (com a palma da mão voltada para o próprio corpo) e beijos sem estalo, por exemplo. À maneira materna ia tentando lhe orientar dentro disso tudo, até que ficou claro que não podia ser uma tarefa solitária. Eu precisava de auxílio e o primeiro passo devia mesmo ser buscar alguém que me ajudasse a compreender. Aí começou a peregrinação por especialistas. À medida que as respostas iam chegando percebíamos o volume das perguntas que tínhamos em relação ao nosso filhote. Eram muitas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A convivência, que é anterior à chegada dos especialistas, vinha me mostrando que meu filho tinha uma maneira diferente de se apresentar frente a algumas questões. Foi preciso combater seu jeito diferente de ser – tentando moldá-lo – para descobrir que essa estratégia não era boa e também era um pouco desumana, pois não considerava seu ponto de vista. Isso quer dizer que se ele dava “tchau” ao contrário eu precisaria respeitar seu modo de dar “tchau”? Não é bem por aí. Talvez eu devesse me ater ao que estava antes do “tchau”. E antes do “tchau” vem a compreensão do “tchau”. Como assim? Bento tem uma maneira diferente de receber e assimilar as informações e também as instruções, como a maioria das crianças autistas. Ou seja: muito do que eu quero passar para ele tem que ser adaptado a essa maneira primeira de ver para depois reagir.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi preciso observar bastante meu filho acenando “tchau” para compreender que quando as pessoas davam “tchau” para ele o que ele imediatamente via era a palma da mão delas. Então, quando pensava em reproduzir o movimento ele também queria ver a palma da própria mão. Bento não apenas dava “tchau” com a palma da mão voltada para si mesmo, como fixava o olhar na palma, como que garantido que estava fazendo da maneira correta (ele é um tanto perfeccionista). Perceber isso foi minha mina de ouro. A terapeuta aconselhou treinar com ele o “tchauzinho” de frente ao espelho, pois, na imagem espelhada ele conseguiria ver quando a posição da mão estava de acordo. Eu acho um ótimo método, mas ele não compreendeu. O método que utilizei e foi muito eficaz foi me posicionar atrás do seu corpo, como uma sombra, e “guiar” a mão dele na hora do aceno (como mostra a foto que ilustra esse post). Sempre que percebia a intenção dele de se despedir me posicionava detrás do seu corpinho, como uma chata, conduzindo por fora a direção da mãozinha. Usei o mesmo método para ele colocar a mão no peito se referindo a si mesmo como “eu” ou acenando algo como “meu”. E ainda uso, não tenham dúvida, a última vez foi para que ele entendesse o posicionamento da mão para subir um obstáculo no parquinho. Sou a famosa "mãe-sombra" com orgulho!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A compreensão do beijo sem estalo veio através da fonoaudióloga, que me explicou um pouco sobre essa leitura literal das situações. Quando ele via as pessoas trocando beijinhos e o estalo sair do encontro dos lábios de uma na bochecha da outra, a compreensão dele talvez fosse de que o barulho era algo automático, associado ao ato de beijar, não algo que se produz à parte. Ele só começou a entender esse mecanismo quando passamos a explicar claramente que encostar os lábios era um ato e produzir o barulho era outro ato. Ainda assim, no início da compreensão ele continuava a dar muitos beijos sem estalo. Aí, pedíamos, sem recriminar: agora um beijo com barulho, Bento. Ele tinha que processar um pouco mais para responder. Até que um dia entramos na era definitiva dos beijos barulhentos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Esses são dois pequenos exemplos que resolvi dar porque, ao entrar no mundo do autismo e das salas de recepção com outras mães de autistas, conheci muitas crianças como Bento, que também davam “tchauzinho” ao contrário e também davam beijos calados. E muitas de nós tentou corrigir esses hábitos antes de tentar entendê-los. Entender sempre deve ser prioridade. A correção não é a única via de aprendizagem, especialmente em casos em que não é necessário corrigir, "apenas" adaptar. </div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-15923245398958040762017-04-04T19:17:00.001-07:002017-04-04T19:33:17.918-07:00Autismo: nem sempre nem nunca<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0QFVi6jEou6XZ_MqHIluliKrCfxJ76WYyIS6_3lW23jwTjq9b9T0mtRCcEzxlohVM3qwfy8UFKhZLKVK_zzWtP11kYoYneFCJ26Q-Rr06WRHOz0NwCalhaEEVvKmf7UVz5aIl10KTgxM/s1600/hp_07072016_NasVoltasfamiuhggh.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="178" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0QFVi6jEou6XZ_MqHIluliKrCfxJ76WYyIS6_3lW23jwTjq9b9T0mtRCcEzxlohVM3qwfy8UFKhZLKVK_zzWtP11kYoYneFCJ26Q-Rr06WRHOz0NwCalhaEEVvKmf7UVz5aIl10KTgxM/s400/hp_07072016_NasVoltasfamiuhggh.jpg" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Meu marido, Julio, costuma reproduzir um velho jargão profissional que diz: em medicina, nem sempre nem nunca. Mas, é comum os médicos não conseguirem a temperança que a frase traz. E não por serem médicos, aposto que isso tem mais a ver com o fato de serem pessoas. É mais difícil ainda ser moderado quando estamos diante de uma situação extrema. O que é uma pena, pois é quando verdadeiramente precisamos da moderação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Sim, uma das fases mais complicadas da minha vida foi perceber que meu filho era autista. A percepção chega antes do diagnóstico e geralmente nos encontra desprevenidos de tudo, inclusive de conhecimento. Ou, especialmente, de conhecimento. Não falo apenas de informação, pois existe muita informação por aí e a maioria é não-confiável. Já “conhecer” é fundamental para não sermos, de cara, soterrados pela insegurança e pelo medo. Como eu não tinha o conhecimento que busco hoje fui soterrada. Toneladas de terra caíram sobre mim e devo ter ficado um bom tempo imóvel, calculando se havia possibilidade de sair dali ou se o melhor não seria submergir de vez. Eu me via em solidão profunda.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Julio achava minha desconfiança um exagero, afinal, Bento era uma criança pequena e quando crescesse um pouquinho mais, começasse a frequentar a escola, turbinasse a vida social, aqueles pontinhos de tensão entre o desenvolvimento dele e o das demais crianças sumiriam. O discurso dele me foi repetido por pessoas conhecidas e até pela pediatra do meu filho que recomendou que EU buscasse um psiquiatra, pois EU precisava me tratar e se Bento tinha qualquer coisa de estranha em seus comportamentos e reações a culpa deveria ser MINHA. Ah, e é claro: aconselhou a não o deixar ver TV demais! Não preciso dizer que jamais retornei ao consultório dessa pessoa. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Buscamos uma psiquiatra, sim, mas uma psiquiatra infantil e de lá saímos com indicação de estimulação especializada. Ele começou com fonoaudiologia e terapia ocupacional, depois entrou a psicologia. A essa altura Julio estava bem consciente da situação; nos apoiamos mutuamente, fomos nos fortalecendo dessa união e Bento começou um processo terapêutico que o ajudaria a se encontrar dentro de suas desordens sensoriais, sua dificuldade de interagir com outras crianças, seu modo atípico de se comunicar, entre outros. A reação positiva do nosso filho ao que lhe foi proposto terapeuticamente, sempre de forma lúdica, tem ligação direta com nosso entendimento de pais. Entender que ele é autista e que não deixará de ser foi nosso divisor de águas, com certeza. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Lembro daquela época de ter lido num site sobre um jovem autista que era um gênio matemático, porém, não sabia amarrar os cadarços dos sapatos nem abotoar as camisas. Não é fácil compreender coisas assim, pois sempre nos tomamos como parâmetro, como se fossemos o centro do mundo. Achamos que o fácil para a maioria é o fácil para todos. Como assim uma criança ter extrema facilidade para modos complexos de raciocínio e uma trava enorme para atividades que de tão corriqueiras sequer chamamos de habilidade? É bem maluco perceber que temos preconceito quando achamos que estamos livres dele. Preconceito não é apenas não aceitar o diferente. Não atentar para que o diferente existe, não se dar ao trabalho de imaginar que há outras maneiras de pensar e agir, também é se fechar num mundo em que a diferença parece não existir ou é irrelevante. Também é preconceito. Para corrigir o preconceito é preciso se perceber dentro dele e ir saindo de fininho, porque dá vergonha mesmo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Bento não é um gênio matemático. É meu filho, uma criança comum e diante da possibilidade de um dia não amarrar os sapatos – como vislumbrei lá atrás, ao ler a reportagem – o pai dele me apresentou uma solução bem simples. “Se Bento não conseguir amarrar os sapatos arranjaremos para ele sapatos sem cadarços. Se ele não conseguir abotoar a camisa, vestirá camisetas sem botões”. Foi tão importante ele ter me dito aquilo; aquilo me marcou profundamente. Não porque eu não deseje que meu filho adquira essas habilidades, desejo sim, como uma mãe qualquer desejaria, e trabalho por isso. Contudo, se não dermos espaço no nosso HD cerebral para pensar o autismo de alguma maneira que não seja a extremamente pesada a que já nos habituamos a pensar, perderemos um pedaço importante da infância dos nossos filhos e esse pedaço importante se perderá deles também. Nenhum desses pedaços será reposto depois, a vida não tem estoque. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O pai do meu filho me ajuda a olhar para ele e ver as coisas de maneira mais leve. Isso, às vezes, irrita nosso olhar viciado de mãe-terapeuta, pois temos a tendência de acreditar que os maridos não ajudam e meio que atrapalham com o seu senso de simplismo, de acreditar que vai tudo bem, obrigado. Mas, será que eles só atrapalham? Não me refiro aqui aos homens que negligenciam ou abandonam suas famílias por conta de um diagnóstico; estou falando de pais de verdade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Quantas vezes notamos que os filhos agem de maneira mais natural e solta na presença do pai do que na nossa? Será que não estamos cobrando demais dessas crianças e nos cobrando o triplo? Será que elas se sentem mais crianças quando estão um pouco afastadas da nossa patrulha materna? Isso não quer dizer que devamos abandonar nossas convicções e deixar a vida correr para onde o vento soprar. Quer dizer que a moderação também deve ser exercitada por nós mesmas, não é algo que sirva apenas para os outros. Será que enquanto damos lições diárias de responsabilidade extrema a nossos companheiros não podemos nos abrir para que eles nos ensinem um pouco sobre flexibilidade? Vai me dizer que não lembra do começo desse post? Na medicina, no autismo, na maternidade, no amor, na vida: nem sempre nem nunca. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; font-family: "android emoji" , "symbola"; font-size: 16px; text-align: left;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; font-family: "android emoji" , "symbola"; font-size: 16px; text-align: left;">❤️</span></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-65646401010358955222017-03-10T04:11:00.000-08:002017-03-10T09:47:33.199-08:00Autismo e imitação: imite seu filho autista e estimule-o a imitar<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUS4FCJxERHZgdfLCzg39aEEZ5SZe671kZV3aNzExs8wver7o8hgde0I9gM0bn2zAfSErb2mxNDatyyJFT9QI2I1vMEb_i4pl-z8BXRBn3WfNtCB3kHLRhbxMpsftPUcRz_4_bx2ODQCo/s1600/Creme-de-barbear-pode-causar-alergia-na-pele-da-crian%25C3%25A7a.-O-creme-foi-feito-para-uso-adulto..jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUS4FCJxERHZgdfLCzg39aEEZ5SZe671kZV3aNzExs8wver7o8hgde0I9gM0bn2zAfSErb2mxNDatyyJFT9QI2I1vMEb_i4pl-z8BXRBn3WfNtCB3kHLRhbxMpsftPUcRz_4_bx2ODQCo/s1600/Creme-de-barbear-pode-causar-alergia-na-pele-da-crian%25C3%25A7a.-O-creme-foi-feito-para-uso-adulto..jpg" /></a></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Muitas famílias que vem até aqui já passaram pelo check list que os profissionais de saúde fazem quando chegamos aos seus consultórios com um conjunto de queixas que podem remeter ao espectro do autismo (pouco contato visual, ausência de linguagem/fala ou linguagem atípica, pouca interação social com outras crianças etc.). Essa lista para início de conversa a que me refiro tem alguns itens que vão desde “a gravidez foi planejada?” até “ele apontava as coisas quando bebê?”. É bem provável que você tenha resposta para se a gravidez do seu filho foi programada ou não, mas, quando ele apontou pela primeira vez, se ele imitava seus gestos com presteza quando bebê, por exemplo, são perguntas cujas respostas vão depender de uma memória exemplar ou de um belíssimo chute. Aliás, facilitaria nossas vidas se todas essas perguntinhas viessem no livrinho do bebê. Fica a dica.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">No momento em que essas perguntas todas estão nos sendo dirigidas, nossa ansiedade, claro, vai nos fazer pensar: que raios de consulta é essa? Por que essa pessoa (médico, terapeuta) não vai logo ao xis da questão? Deve ser porque em autismo não existe xis da questão e sim uma cascata de xis – xis puxando xis – que, no início de tudo, nem desconfiamos que exista, contudo, questão de tempo, logo será familiar. </span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Essa semana li um artigo muito interessante sobre autismo e imitação e me sinto na obrigação de dividir. Chama-se <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642011000400008" target="_blank">“Déficit de imitação e autismo: uma revisão”</a>, publicado em 2011 pelo Instituto de Psicologia da USP. Talvez o fato do meu segundo filho, Tomé (1 ano e 8 meses) imitar, desde muito cedo, o que o irmão Bento (autismo leve/síndrome de asperger) faz e diz tenha sempre me chamado atenção para essa questão. Eu não lembro, mesmo, de Bento imitar tanto quando pequeno. Ele está com 4 anos e 4 meses. </span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Imitações simples e provocadas, como as que a gente costuma fazer quando é mãe, ele fazia, tenho essas lembranças vivas de, por exemplo, ele fazer besourinho (cuspe) com a boca quando eu o estimulava. Aliás, eu tinha o maior orgulho de dizer que ensinei Bento fazer isso ou aquilo – quem nunca? – e um dos meus trunfos sempre foi o recurso da imitação, como é natural. Temos vídeos de momentos assim e vídeos são ótimos auxiliares nessa jornada. Agora, ver meu filho imitar as outras crianças em seus movimentos não tenho tantas lembranças, até poque a relação dele com pessoinhas de sua faixa etária sempre foi distante ou muito distante. Hoje ele imita tudo: passo de dança, personagem de TV, nosso jeito e voz. Mas, e na idade ideal para que isso tudo começasse a acontecer… aconteceu? Essa pergunta vai ficar solta no vácuo da minha desmemória. </span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Voltando ao estudo da USP, soube através dele que desde o final da década de 1970 pesquisadores associam o antes chamado “distúrbio autístico” com a dificuldade de fazer imitações motoras. Qual a importância dessa afirmação? Vamos por aqui: </span><span style="font-family: arial, helvetica, sans-serif;">assim como a dúvida de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, havia, na ciência, uma dúvida cruel a respeito de quem vem primeiro no autismo: a dificuldade de comunicação/linguagem ou a dificuldade de interação social? Numa ponta, cientistas defendiam que a dificuldade de se comunicar vinha primeiro e desembocava na dificuldade de interagir. Na outra, cientistas pensavam justamente o contrário, pela dificuldade primeira de interagir nasce a dificuldade de se comunicar. Hoje, há uma espécie de consenso de que a interação social está mais ao núcleo do autismo, mas naquela época não. Então, a partir da afirmação de relação entre autismo e imitação motora também foi possível colocar a deficiência social como primária no autismo, provocando inúmeras pesquisas nesse campo.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">“Esse movimento foi fomentado por estudos que sugeriam que a imitação por parte das mães era fundamental para que as primeiras relações interpessoais com os bebês pudessem ocorrer. Esses resultados indicavam que déficits na capacidade de imitação precoce poderiam implicar em problemas no desenvolvimento das relações interpessoais do sujeito, como aqueles observados no autismo”.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Por que imitar é tão importante – você pode estar se perguntando –; a imitação não é apenas um reflexo? Não apenas, tanto que os pesquisadores colocam o ato de imitar como reflexo, sim, porém, “capaz de tornar-se ativo e consciente ao longo do tempo”. Dessa maneira, a imitação é tida como “um portal, uma via de acesso para experimentar um sentimento vitalício com outras pessoas, ou seja, como uma fundação para o compartilhamento de experiências em atividades, emoções e pensamentos”. Quando pensamos que a criança e o adulto com autismo tem dificuldade, às vezes, uma dificuldade imensa, de estabelecer esses tipos de conexões, temos uma pista de como a estimulação à imitação pode favorecê-los. Mas, não basta fazer com que eles nos imitem, nós também precisamos imitá-los. “Muitos experimentos comprovam que crianças com autismo apresentam maior capacidade de interação social quando são imitadas”, prossegue o texto.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Ainda de acordo com o artigo, a imitação aumenta o contato visual e a responsividade social (toque, vocalizações, gestos) nas crianças com autismo. Uma criança que cresce sem ser estimulada em sua capacidade de imitação pode ser significadamente prejudicada em seu desenvolvimento interpessoal, resultando em problemas de relacionamento, comunicação e mesmo movimentos restritos e repetitivos. </span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">“O que estaria em jogo na imitação é uma espécie de correspondência entre movimentos corporais e experiências internas entre as pessoas, o que possibilita a construção dos alicerces da comunicação e da relação interpessoal. Uma dificuldade de realização da imitação no autismo comprometeria seriamente o desenvolvimento dessa conexão entre o eu e o outro”.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Em mais de uma parte do estudo, os pesquisadores afirmam que crianças maiores ou adolescentes com autismo demonstram mais facilidade em imitar, alguns até em níveis parecidos com o de crianças e adolescentes do mesmo experimento sem autismo. Isso sugere que a imitação deve ser uma ferramenta utilizada nas intervenções terapêuticas para, estabelecendo com o autista um canal de comunicação, ajudá-lo a se desenvolver em suas relações interpessoais. </span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Gostaria que todas as pessoas que chegaram ao final desse post, fossem até a fonte dele (vou repetir o link lá embaixo), é realmente um estudo muito interessante e que pode nos dar luz sobre como pensar e agir. Como pensar e agir não é algo que nós, mães e pais, refletimos diariamente ou sempre que nos deparamos com uma dificuldade a mais dos filhos? Será que os terapeutas que cuidam deles utilizam o recurso da imitação? Como utilizam? De que forma eles podem nos orientar a utilizarmos também em nossas casas e vidas? Quero deixar essas minhoquinhas nas suas cabeças hoje na intenção de que vocês busquem sempre. E nunca, nunquinha, desistam.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Fonte: <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642011000400008">http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642011000400008</a></span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Leia mais: Crianças autistas se desenvolvem mais quando imitam outras pessoas <a href="http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/criancas-autistas-se-desenvolvem-mais-quando-imitam-outras-pessoas-3434940">http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/criancas-autistas-se-desenvolvem-mais-quando-imitam-outras-pessoas-3434940</a> </span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Fonte da imagem: Google Imagens.</span></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-55095733875581036552017-02-13T18:16:00.000-08:002017-02-14T02:44:44.461-08:00Sobre mudar, com o autismo na bagagem <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZcr87CeXk2XiZTzOBXtXa3IUlsaDNPT_vf4mE9VS_IHfHlNj9meTR4SttVcHyV3_4CiTUwBIs7mlWUCViLUIxdRhw4fEmUDJEk190lhljWxAeA2ecPwo4RyG6-AMJA9xvpLL3yoPdaZE/s1600/muddd.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><img border="0" height="136" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZcr87CeXk2XiZTzOBXtXa3IUlsaDNPT_vf4mE9VS_IHfHlNj9meTR4SttVcHyV3_4CiTUwBIs7mlWUCViLUIxdRhw4fEmUDJEk190lhljWxAeA2ecPwo4RyG6-AMJA9xvpLL3yoPdaZE/s320/muddd.jpg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Nada existe de permanente a não ser a mudança (Heráclito)</span></td></tr>
</tbody></table>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Mudamos. Não a cor do cabelo, o modelo do carro, o canal da tevê. Mudamos de casa, de cidade, de região. Temos pela frente um novo emprego, uma nova escola, um novo sotaque, um novo clima e novidades que não podemos prever. Mudamos de Maceió, Alagoas, para Londrina, no Paraná. Estamos juntos por amor, trazemos coragem na bagagem de mão. Medo também, mas o medo que instiga, não o medo que paralisa. Precisamos de movimento para mudar, continuar mudando.</span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Viajam conosco uma gata vira-lata chamada Cuíca e dois pequenos, Bento e Tomé. Bento dá nome e razões para que esse blog exista como uma reflexão da maternidade e da própria existência que faço todas as vezes em que estou sentada na frente do computador, escrevendo ou tentando escrever, dando o meu máximo – não máximo de experiência e entendimento, máximo de sentimento e disposição ante o cansaço. Bento tem 4 anos e como diz o último laudo “características compatíveis com o espectro do autismo”. O que isso significa? Muita coisa. Entre elas que mudar pode ser uma experiência mais traumática para ele do que seria para outra criança da idade. </span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Alguém já deve ter lhes dito que autistas reagem mal a mudanças de rotina, de terapeuta, da posição dos móveis da casa etc. Isso pode ser verdade, e em diversos casos é, porém, ninguém esqueça que quem vai dizer como a criança reagirá a todas essas modificações é mais seu temperamento do que “seu” autismo. Ou vocês não conhecem pessoas que se sentem incomodadas com situações novas e fugas de rotina? Será que todas elas têm autismo? Aposto que não. Acontece que uma criança autista que reage mal a uma mudança pode expressar a confusão que a perda de referência lhe causa sem palavras exatas, com crises nervosas, agressividade. É provável que ela não consiga, como eu consigo, cruzar as pernas num aeroporto frio e chato depois de horas de espera e fadiga e fingir que está tudo bem. E se eu consigo, repito, posso tentar roteirizar esses acontecimentos previsíveis com alguma antecedência para ela e como a estratégia pode não funcionar brilhantemente, posso tentar lhe acalmar depois da explosão. Advirto: só é fácil na teoria. </span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Nesse ponto somos privilegiados. Bento gosta de mudanças. Ele gosta de viagens, avião (que eu detesto), pode passar horas e horas correndo em saguão de aeroporto (de onde vem tanta disposição?), gosta de hotéis, shoppings, restaurantes, gosta de se enfiar em transporte coletivo, taxi e, agora uma novidade, Uber. “Eu quero ir de Uber” é a frase da temporada. Mas, ele é uma criança, tem apenas 4 anos e vai se irritar, vai reagir com negativas, vai provocar. Desde que a empresa transportadora recolheu nossos móveis, tralhas e eletrodomésticos, no final de janeiro, já passamos por 3 endereços. Sim, 3 apartamentos, 3 quartos, 3 camas diferentes. Esse endereço que estamos agora ainda não é definitivo, em breve faremos uma nova mudança. O vai e vem me incomoda brutalmente, contudo, descruzo as pernas, cruzo para o outro lado, e sorrio. Não devo esperar o mesmo comportamento de Bento ou de Tomé. Seria louca se esperasse.</span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">A primeira entrave ao chegar em Londrina foi: meninos sem escola e com o ano letivo em curso. Algumas pessoas indicaram enes nomes, a internet nos levou a outros, porém, o que adiantou de verdade foi conversar com os nativos. Foram as pessoas do local que souberam nos dar as indicações mais precisas, as que combinavam mais conosco e a partir daí pudemos decidir com segurança algo que nos estava angustiando de certa maneira. Não foi nem poderia ter sido uma escolha apressada, escolhemos com o coração e estamos depositando nessas escolhas (os dois ficaram em escolas diferentes) as melhores expectativas; conscientes de que nenhuma delas será o que imaginamos sem a retaguarda da família – já nos posicionamos a postos. </span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O tema “autismo” foi tratado em todas as escolas que visitamos e recebido com naturalidade. Na maioria delas a diversidade estava presente e exposta através de crianças adoráveis com ou sem deficiências e do discurso inclusivo mais ou menos afinado dos coordenadores. Também ouvimos propostas de instituições que dizem formar crianças para serem empreendedoras, líderes e outras funções que realmente nos assustaram enquanto pais de meninos tão pequenos. Somos simples e, apesar disso, a simplicidade ainda é nossa busca. Se nossos filhos serão empreendedores um dia ou líderes não é algo que “decidiremos” ou direcionaremos agora. Optamos por escolas em que o foco da aprendizagem não está no conteúdo, mas no aluno e na interação dele com o meio. Entendemos que essa linha atende melhor às necessidades deles hoje. </span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O que tem nos atrapalhado bastante é a falta de rotina. Bento está provisoriamente sem as terapias e sem esporte e com a vida de cabeça para baixo tenho me dedicado pouco, para não dizer nada, a tipos de estimulação caseira. Todos os brinquedos e materiais que uso para isso estão em algum lugar do mundo dentro de um caminhão de mudança que ainda não chegou e as pedidas do dia não me deixaram montar um esquema para nós no improviso. Isso me entristece, mas não pode ser motivo de desespero, logo as coisas se ajeitam.</span></div>
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<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Vê-lo muito tempo na frente da televisão realmente me açoita e tenho consciência de que fiz pouco a respeito. Felizmente, as aulas estão de volta. Talvez eu me sinta menos culpada por ele estar numa fase de bastante evolução nas relações sociais e com intenção comunicativa a mil. Na rua vive se comunicando com as pessoas e é cada vez mais comum alguém comentar: como ele é sociável! O que esquenta meu coração e o do pai dele, só nós dois sabemos o tamanho da alegria de ver nosso filho buscar se comunicar com o outro com interesse e conseguir estabelecer conexões. Bento está no meio de uma explosão de entendimento e expressão que nos surpreende. Nós estamos mudando. Ele também. Quando a poeira baixar espero voltar com mais presença à essa casa virtual que é meu aconchego e me acompanha aonde vou. </span><br />
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Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-69331329932075167302017-01-11T08:50:00.002-08:002017-01-11T15:47:55.225-08:00O autista na ponta do pé e outras desordens motoras<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGqPUDsBqQI3UXz24MRHqegJbqRm1n2R0l93VACefaC-QeIfdIXrlXNhekXHfK6aGroqliF6dM9L99pQrHcPL3f30YT7CHXL3QHoH6m52X6pAYCLGEWRtrxPyu88M1Ch1TADNTzJwbEZU/s1600/equilibrando+a+do%25C3%25A7ura+na+ponta+dos+p%25C3%25A9s+%25282%2529.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: medium;"><img border="0" height="276" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGqPUDsBqQI3UXz24MRHqegJbqRm1n2R0l93VACefaC-QeIfdIXrlXNhekXHfK6aGroqliF6dM9L99pQrHcPL3f30YT7CHXL3QHoH6m52X6pAYCLGEWRtrxPyu88M1Ch1TADNTzJwbEZU/s320/equilibrando+a+do%25C3%25A7ura+na+ponta+dos+p%25C3%25A9s+%25282%2529.jpeg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: small;">Google Imagens</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Você já se apaixonou? Eu espero que sim, pois é realmente um estágio maravilhoso. Desejo de coração que você não passe pela experiência “vida” sem ter se apaixonado pelo menos algumas vezes. Quando nos apaixonamos, as sensações nos saltam tão a flor da pele (tato, olfato, visão, audição, paladar) que é como se tudo o que sentimos pertencesse à carne. Só que nada é puramente carnal. Os sentidos estão o tempo inteiro se comunicando com o cérebro, que transforma a sensação em recepção e entendimento. Não enlouquecemos com todo aquele bombardeio sensorial que a paixão nos provoca porque o que sentimos ecoa para nossa organização cerebral, revertendo até as sensações mais estranhas em estímulos prazerosos.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O que isso tem a ver com desordens motoras em crianças com autismo? Tudo.</span></div>
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<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Existem crianças autistas que desenvolvem um tipo diferente de marcha, andam nas pontas dos pés. Os especialistas se referem a esse tipo postural como marcha equina, marcha do espectro, entre outras denominações. Talvez você já tenha reparado essa excentricidade até mesmo no seu filho. Meu pequeno Bento – hoje não tão pequeno, no alto dos seus 4 anos – não anda na ponta dos pés, embora eu já tenha observado que posiciona o pé dessa maneira como impulso para correr, dançar ou pular. Esse movimento é geralmente breve e quase imperceptível – não para os meus olhos de águia; quer dizer, olhos de mãe.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Desde que comecei a conhecer crianças autistas uma das coisas que mais me chama atenção é como elas têm comportamento motor parecido. Bento sempre adorou correr e eu sempre achei seu modo de correr diferente, estranho. Então, convivendo com outros autistas foi impossível não reparar como eles também corriam de maneira diferente, meio desengonçada, como meu filho. Embora, corressem livremente e sem empecilhos, felizes como toda a garotada. A maneira como mantêm a posição das mãos, como pulam, sobem e descem escadas, até o modo como ficam parados é muito parecida entre as crianças com autismo – mesmo quando os estágios de comprometimento são variados. De qualquer forma, todas essas constatações são empíricas, sou apenas uma mãe observadora e a literatura disponível a respeito de desordens motoras em autismo é pequena fora dos muros das universidades e dos congressos direcionados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Se você já sentou para conversar com a terapeuta ocupacional do seu filho autista é possível que ela já tenha lhe dito algo sobre “integração sensorial” - que, grosso modo, é a interpretação que o cérebro dá aos estímulos externos. Em autismo não é incomum que alguém diga que o filho parece não sentir dor, mas também é comum o relato de crianças muito sensíveis. Pode ser que estejamos falando de dois extremos: hipossensibilidade e hipersensibilidade. Uma criança hipersensível, por exemplo, pode elevar os pés do chão porque o contato com os diferentes tipos de piso lhe trazem uma espécie de informação indecifrável – por isso, essa mesma criança pode evitar andar descalço, pisar em areia, grama, no molhado etc. Uma criança hipossensível, por outro lado, que parece muitas vezes não notar quando é tocada, pode gostar e andar descalço, de apertar o outro e senti-lo, mas também descarregar o peso do corpo na ponta dos pés enquanto explora o ambiente em busca de obter essa carga de sensações que parece lhe faltar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O artigo “Análise do padrão de marcha do espectro autista”, de 2014, diz que embora haja controvérsias, o desenvolvimento motor tem sido frequentemente implicado como um biomarcador precoce de autismo. Existem estudos que apontam que a análise do sentar, do engatinhar, o ficar em pé e o andar nos primeiros meses de vida já pode indicar padrões assimétricos de movimento. E que, sendo as desordens do movimento mais cedo identificáveis do que as desordens sociais e anormalidades linguísticas, que caracterizam o autismo, a intervenção pode ser feita mais precocemente, provocando uma nova organização.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O padrão de marcha alterado na criança com autismo pode comprometer suas atividades de vida diária e “levar a dor, fadiga e stress das articulações, afetando assim suas capacidades cinéticas funcionais”. Há relatos de crianças com diagnóstico tardio de autismo que apresentam problemas “no padrão motor da marcha, onde utilizavam a ponta dos pés para tal, mostraram também postura assimétrica do braço durante a caminhada e anomalias no movimento geral. Os autores sugerem que o movimento anormal do braço pode estar relacionado com o controle do equilíbrio”. Essas anormalidades foram atribuídas a um sistema neural imaturo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">É frequente em crianças com autismo a percepção de “uma marcha caracterizada mais dura com alterações posturais de tronco e dificuldades muito significativas para manter uma linha reta”. Essa percepção envolve tanto habilidades motoras básicas como controle motor em que envolve o processo de integração de informações e processamento. Na maioria dos casos não se trata de um problema ortopédico, como muitos pais cogitam, mas com o passar dos anos pode evoluir para um, afetando ainda quadril, tornozelos e joelhos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Por isso é tão importante que a criança com autismo seja exposta a estimulação sensorial, via terapia ocupacional, e psicomotora, via educação física, fisioterapia. Converse com seu médico, relate as limitações sensoriais da criança (ao som, ao toque, as cheiro…) e decidam juntos o próximo passo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">É difícil, eu diria impossível, trabalhar fala/linguagem, interação social, comportamento, concentração, aprendizagem etc. se os estímulos do ambiente parecem lutar contra os sentidos das nossas crianças o tempo inteiro e são recebidos de maneira equivocada pela organização “desordenada” que seu cérebro assimila. Na afobação do dia a dia e de ter que decidir entre tantas abordagens terapêuticas, não é raro ir deixando de lado o que é fundamental. Nem sempre temos a melhor orientação e pode demorar muito para percebermos sozinhos que em autismo (como na vida) é assim mesmo: o fundamental às vezes vem disfarçado de detalhe.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><i>Fontes:</i></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><a href="http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao/article/view/360-369">http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao/article/view/360-369</a></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><a href="http://enfrentandooautismo.blogspot.com.br/2011/06/integracao-sensorial.html">http://enfrentandooautismo.blogspot.com.br/2011/06/integracao-sensorial.html</a></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><a href="https://www.facebook.com/pesbaseatelie/photos/a.152359475184375.1073741829.104986146588375/189295561490766/?type=3&theater">https://www.facebook.com/pesbaseatelie/photos/a.152359475184375.1073741829.104986146588375/189295561490766/?type=3&theater</a></span></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-60301629245007127062016-12-29T12:09:00.001-08:002017-01-08T17:03:34.371-08:00Nós e o autismo rumo a 2017<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ77xYQvaPi9AZz3Sr2qI3pjzNdCaa_M_CxxT1g93YXTPzB3G8KIY6dcYbLBJha_INeSb6UzFNwz4JhrZppsnJzdDFlBRr6qYrafdCMTekdlykHfmNazAGGCcJ11VBs0QjA_e7JBtvbsM/s1600/image.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><img border="0" height="167" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ77xYQvaPi9AZz3Sr2qI3pjzNdCaa_M_CxxT1g93YXTPzB3G8KIY6dcYbLBJha_INeSb6UzFNwz4JhrZppsnJzdDFlBRr6qYrafdCMTekdlykHfmNazAGGCcJ11VBs0QjA_e7JBtvbsM/s320/image.jpeg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Google imagens </span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="font-size: 17px;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Muita coisa do que você viveu em 2016 ficou para trás, mas o autismo vai acompanhar os passos de sua família também em 2017. Isso não é um mau agouro, uma conclusão pessimista ou precipitada. É uma realidade desafiadora que não se deve temer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No final de 2015, eu estreei no assunto e me apresentaram como TEA (transtornos do espectro do autismo) o que meu filho pequeno tinha ou o grupo que a partir daquele momento ele passou a fazer parte. O atraso de desenvolvimento - que eu havia notado e lhe trazia implicações sensoriais, dificuldade de interação com outras crianças e uma comunicação atípica - tinha nome: autismo. Como ouvir isso sem me assustar?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Eu passei por um período muito difícil, talvez tão difícil que ainda não consigo sentar e escrever sobre ele. Hoje, entendo aquele momento não apenas como o extremo do medo e da insegurança, eu começava a fase de depuração. De extração dos meus preconceitos, de mergulhar em autoconhecimento. Foi preciso estar ciente de mim para ajudar meu filho da maneira como ele precisava. Ainda vivo esse processo que é longo e duradouro, talvez seja eterno. Vivi isso intensamente todo o ano de 2016 e a medida em que fui me conhecendo mais, conhecendo mais o meu filho e conhecendo o autismo pude ver o medo se distanciar. O medo tem medo do conhecimento. Quando você passa a entender mais o que acontece a sua volta e dentro de você o medo se apequena e afasta. Quando você se tranca em si e na expectativa incerta de futuro o medo se apossa de todos os seus momentos, até dos potencialmente felizes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ter menos medo, porém, não significa que as coisas passarão a ser fáceis. Significa que você terá mais disposição e coragem para enfrentar as dificuldades. O ano que vem vai apresentar desafios que parecerão intransponíveis. O ano que vem vai ser, apesar disso, incrível em termos de evolução. Não preciso ser vidente para saber que uma criança com o estímulo do amor e de técnicas desenvolvidas para minimizar suas dificuldades específicas e ampliar o leque de suas habilidades tem todas as chances do mundo de passar 2017 subindo degraus. Qual o tamanho dessa escada e qual ritmo meu filho vai seguir? Eu não sei. Preciso viver e aprender.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No início das intervenções tudo parece acontecer de forma acelerada, mas a tendência é uma diminuição desse pique. Às vezes, isso significa que se deve mudar a abordagem, o contexto, as terapeutas, o empenho familiar. Às vezes, significa que a criança assumiu uma nova fase, mais complexa, mais demorada para transpor e não faz sentido sair culpando meio mundo ou chorando meio litro. Adaptação também parte de nós, não dá para acelerar o passo da vida, precisamos olhar para o outro, tão pequeno, e compreender quando ele está nos dando tudo o que pode dar momentaneamente. Não é derrotismo receber de bom grado menos do que desejamos. Momentos passam. Em 2017 poderemos tentar mais uma vez.</span></div>
</div>
<div style="font-size: 17px;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
</div>
<div style="font-size: 17px;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Feliz ano novo.</span></div>
</div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-68286780820358974832016-12-11T17:21:00.000-08:002016-12-12T02:25:42.048-08:00Autismo é para ser falado<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvXS2-ltDLbvxsjHExt66tYwVbKkShAXU_mHZhZDbCTsw_2JyaYgaI5sEIPtm3RqYqEvH5NZGYzkxHm3bto723R97wRkfR1xTMwxJUmEwWCtZchO0OoJs4MEITgG4hmtFvAFJmbZOonfc/s1600/vio+boca+no+trombone.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto; user-select: none;" /></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Bote a boca no trombone, sim! (Google Imagens)</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div style="text-align: justify;">
O uso da palavra “autismo” pela primeira vez data do início do século XX, em 1908, mas se relacionava a um grupo de sintomas ligados à esquizofrenia. O autismo foi descrito, mais ou menos nos moldes que entendemos hoje, na década de 1940, pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner. Os estudos de Kanner apontavam crianças que tinham em comum “um isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da mesmice, denominando-as autistas”. O médico usou o termo “autismo infantil precoce”, pois sintomas já apareciam na primeira infância.*</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu nasci em 1984. Na minha infância morei em 3 cidades diferentes, passei por algumas escolas com mais ou menos prestígio e nunca ouvi a palavra autismo. Na adolescência tampouco. Quando entrei na faculdade de jornalismo participei de um projeto de extensão – chamado “tutoria especial” – em que, como aluna, podia auxiliar alunos com deficiências variadas a desenvolverem suas atividades acadêmicas da forma mais habitual possível. Fiz 2 módulos de capacitação, de 1 semana cada, para aprender a lidar melhor com as diferenças dentro do ambiente universitário. Cegos, surdos, cadeirantes, jovens com síndrome de Down; fomos nos preparando para diversas situações. Havia na expectativa do grupo a chegada de uma aluna com paralisia cerebral ao curso de pedagogia, fato que encantou a todos. O curso terminou e ainda assim não tive a oportunidade de conhecer a palavra autismo ou chegar perto da definição do que seria ter autismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Adulta, comecei a ver uma reportagem ou outra a respeito do tema, sempre fazendo referência a pessoas que viviam num mundo próprio. Essa definição não me dizia muito. Depois de casada, meu marido me mantinha a par de um sobrinho diagnosticado com síndrome de asperger, que é um tipo de autismo, então, começamos a entrar um pouco nesse universo, bem timidamente, já que quase não temos contato com a criança, que mora muito distante de nós. Tudo o que sabíamos dela vinha através de telefonemas entre a mãe do meu marido e ele. Convivi muito pouco com esse menino, talvez, a cada ano, tenhamos nos visto uma vez por poucas horas. Tempo suficiente para identificar alguns de seus comportamentos exóticos, nada mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Anos depois, tive a oportunidade de encarar o autismo de muito, muito, perto. Meu filho, de pouco mais de 2 anos, que, até então, parecia uma criança como as outras, tinha alguns itens exóticos no comportamento, como o priminho asperger. A tríade do autismo estava nele, mas eu chamava aquilo de “traço de personalidade”: dificuldade de interação social, de comunicação e movimentos estereotipados. Estava tudo tão fechadinho, tão claro, porém, eu jamais poderia chamar aquilo de autismo, simplesmente, porque eu jamais tinha sabido o que era autismo. Quando algumas características começaram a extrapolar o limite do que era esperado para a idade (dificuldade de engajamento com as demais crianças, sensibilidade auditiva, repetição de falas, interesses fixos, contato visual breve etc.) resolvemos buscar auxílio especializado. Todos os profissionais de saúde que passamos identificaram em poucos minutos o que nos foi apresentado como TEA (Transtornos do Espectro do Autismo). Prestes a fazer 3 anos, Bento começou a exaustiva e compensatória peregrinação e rotina de terapias. Como é possível acompanhar nesse blog e mais ainda na página do Facebook, ele responde bem à estimulação profissional (fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional semanal, além de psiquiatria infantil a cada 6 meses).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se não fosse o autismo ter batido à minha porta – ou arrebentado a janela, para ser mais precisa – muito provavelmente eu não teria a oportunidade de buscar o entendimento que busco hoje dentro dessa condição que não é incomum nem rara – fala-se de 1 criança no espectro do autismo para cada 100 (até menos) nascimentos, em dados atualizados. O nível de comprometimento de cada um desses meninos e meninas varia demais, tanto que alguns nunca vão ter definição para seus comportamentos não habituais (terão, talvez, apenas o rótulo de “pessoas estranhas” a vida inteira), mas outros terão diagnóstico até incapacitante, em se considerando comunicação social e a autonomia. Entre essas duas pontas está a maioria dos autistas que conheço: crianças, adolescentes e adultos com limitações evidentes, variadas, e que estão aprendendo a lidar com elas a cada dia, aumentando os níveis de convivência recíproca e se tornando independentes dentro de suas rotinas, num ritmo próprio, influenciados por diversos fatores externos. Meu filho Bento pertence hoje, aos 4 anos, a essa coluna do meio.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez eu tenha escrito muito, mas onde quero chagar é exatamente aqui: autistas existiram sempre e vão continuar a existir. Contudo, se não falarmos em autismo, se não apresentarmos nossos filhos autistas ao mundo através das escolas, dos passeios públicos, das festinhas, dos ambientes coletivos, dos eventos direcionados, etc., contribuiremos para que eles aparentemente não existam, mais ainda para quem não tem uma criança autista no círculo de convivência, voltaremos ao século XIX. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para que isso não aconteça, precisamos parar de ter vergonha de nos referir ao nosso filho como autista, pessoa com autismo ou sei lá qual termo cada um considera mais adequado. Parar de admitir que temos filhos autistas apenas nas recepções dos consultórios ou nos corredores das terapias. Nossos filhos são autistas e não se trata de rotular, trata-se de assumir uma responsabilidade imensa, que é a desmistificação dessa desordem crônica que estará sempre na história de nossas famílias e vidas. Nossos filhos têm diferenças e isso não os faz piores ou melhores; os faz diferentes. E enquanto não aceitarmos que a diversidade não é danosa ou vergonhosa para nós e para o mundo, a sociedade também não aceitará.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
* Fonte: <a href="http://autismoerealidade.org/informe-se/sobre-o-autismo/historia-do-autismo/">http://autismoerealidade.org/informe-se/sobre-o-autismo/historia-do-autismo/</a> </div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-50733635043083412992016-11-27T20:06:00.001-08:002017-08-17T18:40:37.170-07:00Mães estressadas são menos eficazes para filhos autistas<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><img alt="Resultado de imagem para mulher cansada" class="irc_mi iXHPSeA2Mg2Y-pQOPx8XEepE" height="205" src="https://malumoreira.com.br/wp-content/uploads/2015/12/cansada5.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto; margin-top: 0px;" width="400" /></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O estresse pode destruir sua eficácia</td></tr>
</tbody></table>
<span style="text-align: justify;">Quem é mãe de uma criança com autismo sabe o que é conviver lado a lado com o estresse. O estresse do medo, o estresse da dúvida, o estresse do julgamento social, o estresse da escolha do melhor tratamento, o estresse da resposta pouco efetiva, o estresse da solidão, o estresse do planejamento. Sim, cabem mais itens nessa lista – ao gosto do freguês.</span><br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
De acordo com o artigo “Estresse e auto-eficácia em mães de pessoas com autismo”, dos pesquisadores Carlo Schmidt e Cleonice Bosa, da Universidade do Rio Grande do Sul, o padrão de estresse dos familiares de crianças com autismo é mais elevado do que em famílias com um filho com desenvolvimento típico ou com síndrome de Down, por exemplo. Como existe uma expectativa social de que as mães tomem para si o cuidado com a criança, sobra para elas a tensão física e psicológica, marcada pela sensação de culpa e ainda a incerteza quanto suas habilidades maternais. Você já se sentiu incapaz de gerir uma situação e se perguntou se é mesmo uma boa mãe para o seu filho? Bem-vinda ao clube, é de você que os pesquisadores estão falando! Mas, calma, você não está só.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Saiba que, num estudo realizado com 30 mães de autistas – entre 30 e 56 anos – 70% apresentaram sintomas de estresse, sendo que 20% delas estão em estado de quase-exaustão. Quanto aos sintomas decorrentes do estresse, a maioria relata ansiedade diária, hipersensibilidade emocional, apatia, hipertensão arterial, taquicardia e sudorese excessiva. Nesse estudo, os pesquisadores tiveram o cuidado de excluir mães que apresentavam outros estressores evidentes, como doença física, luto recente, perda de emprego, mudança de endereço. Ou seja: o grande agente de estresse tinha que ser a rotina de quem lida com uma pessoa com autismo para que os resultados fossem melhor mensurados.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E o que causa tanto estresse? Você deve estar se perguntando para ver se bate com o seu caso. Pois bem, podemos começar por: a maioria dessas mães não trabalha fora, exercendo o papel de principal responsável dos cuidados diretos com o filho. Estudos apontam que a intensidade do convívio diário e os cuidados contínuos prestados a um membro da família com autismo se mostram como poderosos estressores que agem sobre a vida dessas famílias. Tem mais: baixos níveis de coesão entre os pais, assim como a presença de conflitos conjugais e familiares aparecem correlacionados às dificuldades de ajuste da criança. Sim, é isso mesmo: a falta de apoio conjugal incrementa os sentimentos de solidão e desamparo materno e os níveis de estresse parental têm o incrível poder de exacerbar os sintomas de autismo nas crianças.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As mães dessa amostra identificam as tarefas diárias (vestir-se, fazer a higiene pessoal, sair sozinho etc.) como as maiores dificuldades para lidar com o filho, seguidas de dificuldades de comunicação. Os altos níveis de estresse também podem ser acentuados pelo isolamento social que muitas dessas mulheres vive e a escassez de apoio, além dos temores quanto à condição futura da pessoa com autismo. A adolescência dos filhos é apontada também como potencial exacerbadora dos sintomas de estresse, já que nessa fase muitos autistas apresentam comportamentos repetitivos, autolesivos e agressivos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A auto-eficácia, aqui relacionada com quanto os pais se sentem capazes de realizar determinadas tarefas com sucesso, sofre diretamente influência desses níveis de estresse. Os comprometimentos da comunicação e interação social parecem exercer um impacto maior no senso de auto-eficácia materna do que os demais problemas; é aí que as mães do estudo se julgam menos confiantes para lidar. As estereotipias, a agitação ou a insistência rígida – também são citados como estágios desafiadores –, porém, as mães sentem mais confiança para agir.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que o artigo ressalta, enfim, é necessidade de intervenções voltadas para o manejo dos estressores nessas famílias. Há, em mães de autistas, uma vulnerabilidade para estresse e depressão que não deve ser desconsiderada – embora seja, o tempo inteiro. As respostas das mães dessa amostra apontam o apoio social como grande atenuante sobre o estresse, podendo impedir que ele avance para fases mais agudas. Para os autores, mesmo que essa rede de apoio (família, sociedade, instituições) não contribua de modo significativo com os cuidados diretos à criança, pode estar contribuindo para que as mães se sintam aptas para manejar, com maiores chances de sucesso, as dificuldades comportamentais de seus filhos. E uma mãe menos estressada é, claramente, uma mãe mais eficaz.</div>
<div style="text-align: justify;">
_____________________________________</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Leia o estudo completo aqui <a href="http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/88/102">http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/88/102</a></div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-43234359803765983972016-11-16T12:11:00.001-08:002016-11-16T15:22:58.634-08:00Autismo por idade: nossa história <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><img height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj96CQ6hiuAArY_JLbZNDOYEtJ-BSj97f2vB-dfzYcwrfQ62homZN3xqBI2q3r2xeKua7kCy1ydGhJRD_tkNk8l1ZqE_UpbT4P886lENOJc_juMhPlBWBVgrRhTynta-x6x0nWi7ypLrX8/s400/bento-bebe-2m.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;" width="400" /></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="font-size: 12.8px;">Sim, essa coisa tão fofa é o Bento bebê, aos 2 meses (Arquivo/2012)</td></tr>
</tbody></table>
<div align="justify" style="break-before: page; line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Embora hoje eu saiba que os sinais de autismo estiveram presentes em meu filho, Bento, desde bebê, foi a partir dos 2 anos que ligamos o botão de alerta. Nossa principal queixa era sua dificuldade de se relacionar com crianças da mesma faixa de idade e de dialogar/conversar. Ele falava muito, às vezes, sem parar, contudo, conversava pouco, respondendo, no máximo, algumas perguntas simples com respostas sempre curtas, em geral, repetitivas – embora, mesmo as repetições, sempre vieram com sentido dentro do contexto. Intuitivamente, acreditamos que esse comportamento estava relacionado ao fato de ele ter um círculo social restrito e não conviver com outras crianças; depois que Bento foi para a escola (aos 2 anos e 4 meses) começamos a ver isso de maneira diferente, observando as demais e o que era esperado para a idade em que estavam.</div>
<div align="justify" style="break-before: page; line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Eu também não sabia que questões sensoriais tinham ligação com o espectro do autismo. Muito menos a leitura precoce. Até que ela se apresentasse como outro obstáculo para a interação dele – na fase em que só lhe interessava ler – todos os que viam uma criança tão pequena como ele lendo, sem nem soletrar, chamavam aquilo de “dom”, inclusive eu. Hoje, com a leitura direcionada para momentos específicos de distração e afastada quando o ambiente pede interação e envolvimento com outras pessoas, realmente, essa habilidade vai ganhando mais perfil de dom do que de problema. Mas, já foi uma grande questão para nós, pais.</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Depois dos 3 anos, iniciada a fase de terapias, percebemos que a maioria das entraves sensoriais tiveram uma resposta positiva e em alguns meses parecia que tinham trocado o Bento de sempre por outro Bento que agora usava chapéus, touca, óculos de natação e afins. O barulho de motores (liquidificador, batedeira, furadeira) ainda é incômodo – assim como choro e “parabéns pra você” – mas ele já sabe lidar bem melhor com esses momentos, perguntando o que estamos fazendo ou simplesmente aguardando com uma boa expectativa para saber qual o sabor do suco que vem por aí... As mãos na orelha foram embora e retornaram depois e já não olho o gesto como problema. Ele está se defendendo do barulho que o ofende. Vejo assim: é um modo provisório e com a maturidade ele deve achar uma forma melhor de lidar com o desconforto, ou não.</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Com certeza o autismo modifica mais a minha conduta do que a do meu filho. Minha postura diante da vida mudou, não essencialmente, pois minha essência é simples, sempre foi, mas agora olho tudo buscando um entendimento que não é o “meu entendimento”, e sim um olhar mais abrangente. Todos os dias o meu “professorzinho” me ajuda a compreender mais o mundo. Pensar o contrário – que somos nós a ensiná-los, coitadinhos! – é reducionismo e um pouco ilusão. Essa minha postura também nasceu entre os 3 e os 4 anos dele.</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Com a estimulação profissional em curso e um maior entendimento de nossa parte, os pais, foi a partir dos 3 anos e meio que o autismo bateu o pé e disse realmente quais seriam as dificuldades que acompanhariam Bento por mais tempo e com mais firmeza. Outra vez, voltamos ao cerne: interação social e comunicação. Tudo o que surge de novo elemento parece apenas endossar essa dupla da pesada.</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Bento tem poucos movimentos estereotipados, o mais evidente sempre foi o <i>flapping</i> (abanar as mãos), mas hoje, que ele expressa melhor os sentimentos e a razão das contrariedades, ele passa algumas temporadas sem aparecer - depois reaparece. A ecolalia tardia (repetição não-imediata de falas) também sumiu por algum tempo e depois retornou firme e forte. Ele costuma repetir mais em momentos de tensão ou ociosidade. Também são considerados movimentos estereotipados os pulos no sofá, cama, chão, quando diante de um estímulo visual (quase sempre é a programação da TV), o olhar fixo para detalhes de objetos (ou para o “nada absoluto”) e mais uma leva de comportamentos que Bento ainda apresenta, mas que para nosso cotidiano não é absolutamente problemático e muitas vezes percebemos que são instantes em que ele busca calma – e quando vejo meu filho buscando calma, tenho certeza: ele precisa dela. Mais uma lição do professor.</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Apesar de ter deixado algumas características do espectro do autismo lá atrás, comendo poeira, os 4 anos trazem para toda criança uma pedida social mais intensa. A interação está a mil, elas já começam a formar grupinhos na escola por afinidade, são verdadeiros contadores de histórias. Com nosso Bento não é assim. Muitas vezes apegado a detalhes que só tem relevância para ele mesmo, parece ver o mundo de maneira fragmentada. Num espetáculo de circo, enquanto as demais crianças reparam com encanto as piruetas do trapezista ou nas trapalhadas do palhaço, ele pode, ao ser perguntado sobre o que achou do show, responder:</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
– Foi legal, eu vi um tio bombeiro civil.</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Então, nosso aprendizado envolve conduzir o olhar dele para um lugar mais geral e menos específico. Enquanto estamos vendo um acontecimento, estou sempre chamando atenção para o centro dele, para não ver meu filho demasiadamente perdido na periferia:</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
– Olha, filho, eu acho que o palhaço vai pular na piscina.</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
– Vê só, Bento. O que será que vai acontecer com o lenço do mágico?</div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Sim, estou tentando impedir que ele veja apenas o fogo nos malabares ou prefira contar e recontar quantas motos estão girando dentro do globo da morte. E isso tem dado relativamente certo. Ele tem se descolado um pouco dos detalhes. Não muito. De qualquer maneira: dá um trabalho do cão! </div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
Também a partir dos 3 anos e meio tenho notado um maior interesse de Bento no ao redor em se tratando de vida cotidiana. Ele compara as coisas, dizendo, por exemplo, que um pedaço de melancia parece uma gangorra; que a faca apoiada no prato parece um escorrega, usando repertório próprio para dar asas a imaginação. Há poucos dias ele colocou meus óculos de frente para o espelho e disse que era um cientista. Ele tem muitas tiradas engraçadas. Calça meus sapatos para “trabalhar” e há algumas semanas calçou os da fonoaudióloga, de salto alto, para desfilar a sala inteira. Se estou muito calada, ele solta: “fala, mamãe”, como se soubesse que deve haver algo mais no meu silêncio. A interação com adultos tem deslanchado e ele cumprimenta todos no elevador, pergunta “quem é você?”, “o que você está fazendo?”. São pontes que ele não atravessava antes. É animador acompanhar. Com crianças ele permanece reticente.</div>
<br />
<div align="justify" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm;">
<b></b>Ainda é uma dificuldade para ele manter o foco da própria atenção – pula muito rapidamente de uma atividade a outra, às vezes, sem concluir nenhuma – e o contato ocular/visual, embora exista, é breve ou muito breve. Parecem detalhes, mas são flechadas certeiras para as relações sociais e de aprendizagem. Sim, são 4 anos apenas, ainda há muitos desafios pela frente, mas nenhum deles fará com que eu espere do meu filho algo a mais do que ele mesmo pode dar.</div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-5188762307601546802016-11-01T16:14:00.000-07:002016-11-01T18:28:26.407-07:00O filme "O Contador" e a definição de "normal"<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<img alt="Resultado de imagem para o contador filme" class="irc_mi ieYKVt5yVbc0-pQOPx8XEepE" height="227" src="https://i.ytimg.com/vi/EZw5etrt9xs/maxresdefault.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto; margin-top: 0px;" width="400" /></div>
</td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Christian Wolff assopra as pontas dos dedos em algumas cenas do filme; esse movimento é chamado de "stimming" (comportamentos de auto-estimulação), no Brasil o termo mais popular é "estereotipia"</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">Ontem fui ver o filme O Contador no cinema. É a história de Christian Wolff (Ben Affleck), um homem com síndrome de asperger que usa suas incríveis habilidades matemáticas para ajudar organizações criminosas a lavarem milhões de dólares através de empresas de fachada. Não tente imaginar o contador como o autista ingênuo e manobrável de outras produções cinematográficas. Ele é o anti-herói. Ainda que o personagem cative – e você corra o risco de absorver Chris como vítima de sua condição “neurodivergente” – vai observar que ele é produto do meio em que cresceu e, na fase adulta, mostra-se dono de suas próprias decisões e consciente de que é um assassino perigoso. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">Interessante que há poucos dias reli <a href="http://www.releituras.com/rubembraga_aula.asp" target="_blank">uma crônica do Rubem Braga</a> que chegava mais ou menos à reflexão que proponho a seguir. Você já viu um elefante sem tromba? Provavelmente não. É até algo bizarro de imaginar, não é verdade? De toda forma, você acredita que o elefante, por estar sem a tromba, deixa de ser elefante? E um autista que já não balança o corpo para frente e para trás? E um autista que já não repete frases com frequência? E um autista que já consegue olhar nos olhos dos outros? Você acha mesmo que um autista deixa de ser autista só porque não sacode as mãos na altura dos ombros quando está em público? Acha? Quero deixar todas essas questões no ar antes de voltar ao contexto do filme.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">Diante do comportamento diferente de Chris, seus pais buscam, ainda na infância dele, um especialista. Eles querem respostas imediatas para suas inquietações: o que o filho tem e como isso vai influir na sua maneira de viver. Num dado momento, o pai do menino pergunta:</span></div>
<blockquote class="tr_bq" style="font-size: 17px;" type="cite">
<div id="divtagdefaultwrapper" style="font-size: 12pt;">
<div style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><b>– <i>Meu filho vai ter uma vida normal? </i></b></span></blockquote>
</div>
</div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="font-size: 17px;" type="cite">
<div id="divtagdefaultwrapper" style="font-size: 12pt;">
<div style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
<blockquote class="tr_bq">
<b style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">– </span><i style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12pt;">Defina normal.</i></b></blockquote>
</div>
</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Sem dúvida, uma excelente resposta. </span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">D</span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">esde</span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"> que entrei de pé e cabeça no mundo das diferenças (ou desde que me dei conta de que esse mundo é o lugar onde sempre vivi) sinto incômodo diante da palavra “normal”. Sim, eu sei, é apenas uma palavra, mas, especialmente quando dirigida a pessoas, sub-julga e exclui. Tenho preferido usar “comum” e sinto que me expresso melhor nesse termo. Definir “normal” é um desafio complexo, embora pareça simples.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">Um casal qualquer dirá que normal é que o filho faça faculdade, empregue-se formalmente, case-se e tenha filhos. Então, se esse filho é autista e não atinge os marcos estabelecidos, alguém vai dizer que aconteceu o esperado, já que ele nunca foi uma pessoa normal. Entretanto, se esse filho não for autista, for um padre, por exemplo, que também não casou e não teve filhos, a “normalidade” de suas decisões não é posta em cheque. Pode tentar mais uma vez:</span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"> </span><i style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12pt;">defina normal. </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">Sim, todas as crianças são diferentes, autistas ou não. E mesmo dentro do autismo há uma variação imensa de comportamentos de acordo com as habilidades da criança e as dificuldades geradas pelas áreas de comprometimento, além da intensidade desse comprometimento. Mas, essas não são as únicas variáveis.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">Nenhuma das gradações existentes dentro do espectro do autismo (alto e baixo funcionamento; leve, moderado ou severo; e tudo que ainda há de surgir) deve impedir que nós pais, vejamos nossos filhos como filhos, como pessoas que têm peculiaridades, como nós também temos, e um potencial insondável. Será que nossa maneira de amar, educar, cuidar, compreender, dar acesso a um auxílio terapêutico que não os puna por serem quem verdadeiramente são vai influir mais no resultado final do adulto que eles serão ou continuaremos a acreditar que o autismo os manobra?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;">O filme O Contador dá uma sugestão de resposta para essa interrogação e para outras tantas. Tem cenas ricas de auto-estimulação, inflexibilidade, crise nervosa, apego a rotina etc. Porém, Christian Wolff não é nosso filho. Não vá aos cinemas para alimentar novas expectativas. Vá para apreciar uma história de ação um pouco empolgante e captar o que há de realidade sobre a ficção. O autismo não mudou desde que surgiu, já a compreensão sobre ele (e sobre nós mesmos) precisa mudar ou acabaremos na vala funda e sombria da anormalidade estabelecida.</span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><b style="font-size: medium;"><i>Ficou curioso? Veja o trailler.</i></b></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><b style="font-size: medium;"><i><br /></i></b></span>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/EZw5etrt9xs/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/EZw5etrt9xs?feature=player_embedded" width="320"></iframe></div>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: 12pt;"><b style="font-size: medium;"><i><br /></i></b></span></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-74185230437221586772016-10-24T04:04:00.001-07:002016-10-24T05:21:01.549-07:00Autismo e epilepsia: uma relação possível<div style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgz2o5_j_yeJT_UVnfCGk4Vb8DbYomBPzQYiOCT126X6_qrjrKQQkz6oi_63nplu1D3dIwQ5ELVJLolKwPcIzChyphenhyphenbF5E24cEoBNaK2tR2ra3DPh1u44j7jXvUYILBlMlnilOhfmKumkimc/s1600/Fotolia_36071110_XS.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="275" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgz2o5_j_yeJT_UVnfCGk4Vb8DbYomBPzQYiOCT126X6_qrjrKQQkz6oi_63nplu1D3dIwQ5ELVJLolKwPcIzChyphenhyphenbF5E24cEoBNaK2tR2ra3DPh1u44j7jXvUYILBlMlnilOhfmKumkimc/s320/Fotolia_36071110_XS.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A convulsão está ligada a maior atividade elétrica em algum ponto do cérebro (Google Imagens)</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O autismo chegou. Uma avalanche de emoções provocada,
inicialmente, pelo desconhecimento extremo toma conta de nós. O que
está acontecendo com meu filho? Tem tratamento? Tem cura? Há chance
de regressão no quadro? Como não percebi antes? São tantas
perguntas sem resposta que, se não houver o esforço máximo para
manter a sanidade, esse comecinho de jornada vai parecer
intransponível. Até que vamos nos informando mais, até que o
amparo chega na figura de um familiar, um amigo, de um terapeuta, de
um médico, e, em especial, do nosso próprio filho, que continua a
ser quem sempre foi (autismo não rouba a criança de nós!) e começa
a responder bem à estimulação terapêutica. Ufa, chegamos até
aqui! E chegaremos mais longe.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Bombardeadas de informações o tempo inteiro – as que procuramos
e as que nos caem no colo como uma granada sem pino – percebemos
que a palavra “autismo” já não comporta o mesmo significado
para tantas crianças. Algumas delas são exatamente como nossos
filhos: as mesmas “manias”, as mesmas habilidades, o mesmo
comportamento, as mesmas dificuldades sensoriais etc. Outras, reagem
totalmente diferente quando expostas a diferentes estímulos. O que
as une costuma ser a trinca: falha na comunicação, dificuldade de
interação social e presença de movimentos repetitivos. Essas
características “gerais” também mudam de intensidade a depender
da pessoa. É como se estivéssemos diante de “autismos”, já
ouvi alguns especialistas usarem a expressão e acho bastante cabida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Então, lemos em algum lugar que crianças
com autismo são mais propensas à convulsão (acontecimento
esporádico) ou à epilepsia (crises sucessivas)¹. Embora aquela cena
de convulsão explícita em que a pessoa se debate no chão não
defina sozinha a epilepsia, é justamente essa cena que vamos pensar.
E ter medo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Quando Bento tinha pouco mais de 2 anos, ele teve um episódio de
febre com espasmos bem esquisitos. Na noite seguinte a febre voltou e
os espasmos também e me senti totalmente aterrorizada; eles eram discretos, mas persistentes. Nessa época não cogitava autismo nem
sabia do que se tratava. Eu era apenas uma mãe com medo de que o filho pequeno estivesse tendo uma crise convulsiva. Enquanto isso, ele dormia
tranquilamente sem nada perceber. Levamos ao médico, que pediu um
eletroencefalograma. O exame constatou que tudo estava bem, não
havia sinal de convulsão ou alteração alguma. Os espasmos foram,
possivelmente, uma sucessão de calafrios ligados à febre. De
qualquer forma, de lá pra cá, sempre me senti com a pulga atrás da
orelha. E febres me tiram do sério - baixas ou altas, a convsão febril, diferente do que pensei, não escolhe temperatura.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Não é incomum que numa conversa entre mães de autistas apareça a
questão: ele já teve convulsão? Mas, além do pavor dessa
possibilidade, o que existe de concreto sobre a ligação autismo e
epilepsia?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O neurologista José Salomão Schwartzman – renomado profissional
na área de Neurologia da Infância e da Adolescência – pontua a
respeito do tema: a prevalência estimada de epilepsia entre
indivíduos autistas varia de 12% a 28%. Na população geral
(não-autista) essa taxa é de 1%. A<span style="color: black;">inda são
pontuados no mesmo estudo dados interessantes: crises convulsivas
podem ocorrer em 42% das crianças que apresentam uma das desordens
do espectro autista; </span><span style="color: black;">há uma
distribuição bimodal quanto à idade de início da epilepsia com um
pico ocorrendo entre os 2 e os 5 anos de idade e o segundo na
adolescência; </span><span style="color: black;">tem sido descrita uma
(ainda controversa) associação entre uma </span>“regressão autística
do comportamento” e a presença de atividade epileptiforme
subclínica do lobo temporal. Tenha acesso aos dados completos
clicando <a href="http://www.schwartzman.com.br/php/phocadownload/transtornos_globais/epilepsia_autismo.ppt" target="_blank">aqui</a>.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">“A
epilepsia ocorre principalmente em crianças, mas pode afetar todas
as idades.
Na
criança, estão
entre as
causas mais comuns fatores ou doenças genéticas”².
Estudos
recentes apontam que “um gene
reconhecido por ser o causador de
uma forma de epilepsia infantil chamada de síndrome de Dravet também
poderia ser um dos responsáveis pela aparição de comportamentos
autistas” - que
incluem
“hiperatividade, a dificuldade nas relações sociais e um
desenvolvimento mais lento da linguagem e das habilidades motoras”³. Tais estudos não tratam a epilepsia como comorbidade do autismo; autismo e epilepsia coexistem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Esse
post é de mãe para mãe e não tem a intenção de assustar, mas de
chamar para uma causa que pode passar despercebida mesmo estando próxima de nós. Um tipo de eplepsia chamada "crise de ausência" relata a perda de consciência do indivíduo enquanto o mesmo mantém o olhar fixo e distante - cena comum para quem tem uma pessoa com autismo em casa, não? Depois da crise, a pessoa "retorna" como se nada tivesse acontecido, mas as alterações ligadas a esses episódios (quando há) tem chance de ser captadas pelos exames. Por isso, qualquer sinal nos nossos filhos que possa abrir brecha
para essa questão (durante o sono ou não; em episódios de febre ou
não) deve ser mencionada ao neurologista. Eplepsia tem tratamento e controle. Jamais
substitua uma leitura de internet pela possibilidade de uma conversa
franca com o seu médico ou com o médico do seu filho.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
¹ ³ <a href="http://www.ineuro.com.br/para-os-pacientes/convulsoes-e-epilepsia-entenda-qual-e-a-diferenca/">http://www.ineuro.com.br/para-os-pacientes/convulsoes-e-epilepsia-entenda-qual-e-a-diferenca/</a></div>
<div style="text-align: justify;">
² <a href="http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2012/08/gene-que-causa-tipo-de-epilepsia-tambem-provoca-autismo-diz-estudo.html">http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2012/08/gene-que-causa-tipo-de-epilepsia-tambem-provoca-autismo-diz-estudo.html</a></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-73104671546220169352016-10-09T03:31:00.000-07:002016-10-09T03:40:20.711-07:00Autismo e fixação<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjneBOBpOF5FkO5jr8KgfCWmkldLVMHJCnowLILJ8-0-WTVSZaJjUZurlapQhaIsqcf9_U3Isqcey4AOK_G7y7QQw2-XfXGwGjjJFlQ3toxNZqpR3vxpL-qFZJsHRNe1VzMCJ6LY9wlp7o/s1600/encarte1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="210" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjneBOBpOF5FkO5jr8KgfCWmkldLVMHJCnowLILJ8-0-WTVSZaJjUZurlapQhaIsqcf9_U3Isqcey4AOK_G7y7QQw2-XfXGwGjjJFlQ3toxNZqpR3vxpL-qFZJsHRNe1VzMCJ6LY9wlp7o/s320/encarte1.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Benditos folhetos (Google Imagens)</td></tr>
</tbody></table>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; page-break-before: always;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Você já deve ter lido em algum lugar que uma das características
frequentes em pessoas com autismo é a fixação inapropriada por
objetos. Essa palavra “objeto” às vezes limita nossa
compreensão, então, vou colocar aqui que o interesse extremo
pode se dar por dinossauros, carros ou partes de carros, sapatos,
roupas, cores, letras, números ou quase tudo o que for inanimado. E
no caso de Bento: folhetos de loja.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
É triste admitir que nós acabamos por reforçar esse tipo de
comportamento fixo, restrito e repetitivo, que pode partir do simples
interesse para a obsessão em pouco tempo. Triste, mas temos que
admitir para dar um passo adiante. Quando Bento começou a se mostrar interessado pelos
folhetos, eu e a maioria dos adultos achava muito bonitinho e
engraçado. Ele folheava aquilo com o maior prazer, inicialmente lendo os preços dos produtos, depois passou para os nomes e marcas.
Muitas vezes, quando íamos ao shopping e ele resistia à hora de vir
embora, eu tinha uma carta na manga: “a mamãe pegou um folheto da
loja tal, vamos embora e você vai vendo no carro”. Eureka! Dava
certo: zero escândalo, zero birra, íamos felizes no caminho.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Comecei a notar que aquele apego estava ultrapassando o desejável
para ele e para mim quando a presença do folheto começou a criar um
ambiente limitador para Bento. Ele não estava mais saindo de casa
para aproveitar a ida ao shopping, por exemplo, mas para uma espécie
de jogo mental que criou em busca desse objeto de desejo. E não
bastava um, agora ele queria todos os folhetos, de todas as lojas.
Lembro de uma vez que estávamos viajando, ele entrou numa dessas
grandes lojas de brinquedos e ao encontrar a bandeja dos folhetos
vazia disse em voz alta:</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
- Eu quero o encarte!</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
A vendedora da loja parece não ter entendido direito e respondeu:</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
- Você quer brinquedo de encaixe? Venha aqui que eu vou mostrar
alguns bem legais.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Mas, ele não estava falando com ela nem queria brinquedo coisa nenhuma. Aliás, ele só se
desinteressava mais e mais pelos brinquedos. Em outra ocasião,
estávamos indo comprar chocolates (que ele adora!) e quando ele
avistou o folheto numa loja vizinha não quis seguir em frente. Eu o
adverti de que não era hora de ver a revista da loja e que se
ele pegasse não ganharia os chocolates. O que ele preferiu? Sem
remorso, o encarte. Chocolate perdeu espaço. Outra vez, ele estava
todo feliz porque ia para a piscina de bolinhas e desistiu no ato assim que avistou o encarte da loja em frente.
</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Mais recentemente Bento passou a recolher os folhetos do lixo, ameaça arrancar das mãos de pessoas conhecidas e desconhecidas; recusa-se a recortar
figuras dos encartes para atividades da escola e até briga com o
irmão para que não toque o objeto (que elevou ao nível do sagrado). Acompanhar essa progressão é
muito desgastante e doído para mim e para o pai, especialmente,
porque hoje, esses folhetos representam, além da fixação,
isolamento, desinteresse pelo entorno. O que, óbvio, é uma pancada
certeira nas relações sociais dele.
</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Diferente do início do processo, ele já não fica calmo na
companhia do folheto, e sim, eufórico, lendo o nome dos produtos, as
marcas e slogans frenética e repetidamente. Nos livrar disso não
tem sido fácil, em especial agora, que outras pessoas perceberam
essa “preferência” dele e até juntam encartes para
“presenteá-lo” – até mesmo os coleguinhas da escola. Não as
recrimino, pois elas não conhecem essa situação a fundo, porém,
estamos lutando contra isso com o esclarecimento.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Os folhetos não estão apenas nas lojas, estão no trânsito, vem
dentro dos jornais e revistas por assinatura, sujam as ruas em locais
de movimento intenso de pessoas e enfiam debaixo de nossas portas.
Não é simples retirar uma fixação da rotina de nossas crianças
pequenas com autismo e também não é benéfico alimentá-las. Elas
precisam ver o mundo diverso, como ele é, e não apenas uma pequena
porção dele. De qualquer forma, a fixação aponta um
interesse que em alguns casos pode ser aproveitado na aprendizagem.
Com os folhetos podemos ensinar os conceitos de dentro e fora, em
cima e em baixo, direita e esquerda, pequeno e grande etc. Mas, até
para isso, vai ser preciso que a criança abra espaço para
compartilhar esse momento. O que, numa fixação, nem sempre
acontece.</div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-51834800388334798912016-09-26T10:31:00.000-07:002016-09-26T19:56:19.178-07:00Há um ano, desde que o autismo chegou<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLG60IFLDmaltL-XrcMGVTo7vAYZgVmd4oznWuJCEFZ0beBbec06ZSx60fzy7Eug4WHuiBB9BEBKdJcSdFXwgMvcJPJ9kfcuTGUhDtOA7oqc7vgMNRzKhoCMxMN9btgFJ0b4xocAiFKUc/s1600/bento3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLG60IFLDmaltL-XrcMGVTo7vAYZgVmd4oznWuJCEFZ0beBbec06ZSx60fzy7Eug4WHuiBB9BEBKdJcSdFXwgMvcJPJ9kfcuTGUhDtOA7oqc7vgMNRzKhoCMxMN9btgFJ0b4xocAiFKUc/s320/bento3.jpg" width="258" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Quando o autismo chegou nos encontrou exatamente como estamos hoje: juntos</td></tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Há um ano atrás, quando eu olhava meu próprio rosto refletido no
espelho, o que via era a imagem de uma mulher perdida. Sim, eu
sorria, eu brincava, eu levava a vida como se meus dias não tivessem
se tornado insuportavelmente arrebatadores. E isso tudo era uma capa
que vestia para sair de casa e encarar a rua. Meu filho pequeno,
Bento, de quase três anos, meu orgulho de viver, estava enquadrado nos
Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e eu sabia absolutamente
nada sobre essa condição, não gostaria que estivesse acontecendo com ele e
preferia um outro diagnóstico, qualquer, que pudesse me atingir em
vez de atingi-lo. Mas, havia um detalhe: não era eu quem mandava, eu
não tinha o controle remoto da vida nas mãos.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Além de Bento, havia Tomé, meu segundo filho, com 4 meses apenas, um bebê precisando de carinho e atenção. Aliás, estava grávida de Tomé quando desconfiei que algo não ia bem com o
desenvolvimento de Bento – ele falava, contudo, tinha nítida
dificuldade de conversar, criar e manter diálogos e recusava se
relacionar com outras crianças; quando muito, dividia com elas o
mesmo ambiente. Porém, nunca desconfiei que a causa disso pudesse
estar relacionada ao autismo, por um motivo simples, eu não sabia o
que era autismo e tinha uma visão muito limitada a respeito do
comportamento de uma criança autista. Então, comecei a pesquisar
sobre o assunto e o que mais me ajudou, de verdade, foram os blogs de
mães de autistas. As semelhanças entre os filhos delas e o meu eram
tão gritantes que quando o primeiro profissional de saúde apontou
um possível diagnóstico me senti menos sufocada do que enquanto estive imersa no mar bravio da dúvida. Já não estava oficialmente
à deriva, havia um porto a vista e a possibilidade de ancorar,
entretanto, era uma terra desconhecida.
</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Ainda assim não estava sendo fácil. Ainda assim não me foi dito o
que eu precisava fazer objetivamente para ajudar meu filho a se
desvencilhar daquelas dificuldades todas, que foram se desmembrando
com o passar do tempo. Ele também balançava os bracinhos
freneticamente para indicar emoções que não conseguia expressar
com palavras; ele apresentava sensibilidade auditiva para certos
barulhos como choro e motores (liquidificador, furadeira, batedeira)
e tapava as orelhas; ele parecia nem sempre ouvir quando chamado pelo
nome; ele se desligava, às vezes, lançando um olhar perdido para
algum local fixo, como um ponto de luz; ele não mantinha contato
visual por muito tempo nem interesse em olhar para máquinas fotográficas; ele ria de coisas nada engraçadas; ele não
tinha o mínimo senso de perigo; ele não aceitava boné, chapéu,
touca de natação, óculos ou quase nenhum acessório do tipo; ele
lia precocemente e de maneira reta, sem soletrar nem gaguejar; ele
parecia ver os objetos antes de notar as pessoas; ele passou a criar
nojos específicos de certos alimentos, aparentemente, por conta da
textura; ele tinha dificuldade de esperar, de manter um nível
esperado de concentração e atenção; ele parecia não entender
algumas regras simples de traquejo social ou até de brincadeiras
infantis para a idade; ele repetia muito as mesmas frases; ele
apresentava limitações motoras quase imperceptíveis, tipo não
conseguir saltar tirando os dois pés do chão; ele pulava muito
(sobre a cama ou sofá) quando uma programação que gostava estava
passando na TV. Esses são alguns dos itens que pude recordar agora e
que, até me apresentarem como características não-exclusivas de
TEA eu jamais saberia relacionar. Quando digo não-exclusivas, estou
querendo atentar para o fato de que crianças com outros diagnósticos
ou sem diagnóstico algum (as chamadas típicas/neurotípicas) também
podem apresentar o mesmo comportamento; talvez não todos esses
juntos e certamente sem as limitações que o autismo impõe através
de cada um deles. Ninguém jamais me disse isso, eu jamais havia
estudado sobre ou sido orientada por um pediatra, por exemplo.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
A recomendação inicial do especialista, uma psiquiatra infantil, foi estimulação através
de terapias. Rapidamente Bento estava com acompanhamento de
fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e psicóloga. Também entrou
para a natação, que, embora sem esse fim específico, considero
absolutamente terapêutica. Ele já frequentava a escola, que é a
maior bomba de estímulos que conheço. Uma boa escola é meio
caminho andado, com certeza, essa escolha deve ser prioridade. Desde
que ele foi enquadrado no espectro do autismo pudemos (escola e
família) conduzir melhor sua aprendizagem e por via alternativa,
quando necessário.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Da lista de dificuldades que citei ao longo do texto, Bento superou
algumas, outras vão e vem, como um ioiô, crescem ou decrescem em
aparição. As mais determinantes, porém, continuam a ser as mais
frequentes: dificuldade de interação social com pares e dificuldade
de comunicação. As duas se relacionam entre si. Quando
uma criança olha para a outra e não consegue naturalmente ser
atraída pelas características pessoais dessa segunda – que vão além do
desenho da roupa, da cor do cabelo ou do personagem do calçado – é
mais difícil estabelecer uma comunicação efetiva que inclua querer
saber o que o outro sente, o que sua expressão facial indica, que
tipo de brincadeira poderia compartilhar, que palavras usar. É
desafiador para mim, que acredito na comunicação entre as pessoas
como mola do mundo, lidar diariamente com essas limitações através
de alguém que, felizmente, não está alheio ao a redor e, com o
passar do tempo, parece se perceber cada vez mais dentro desses limitadores, mesmo
que não saiba explicar o que está acontecendo ou entender de que
forma pode contornar isso. Daí vem um imenso sentimento de
ansiedade, da parte dele e da minha. Por que, antes de tudo, esse
alguém é meu filho. E eu não abro mão de que viva uma infância
saudável, como deve ser a infância de qualquer criança.</div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Há um ano eu sabia menos, bem menos do que sei hoje. E como o que
já sei é ainda mínimo, acredito que no ano que vem saberei um
pouco mais. Mas, ninguém precisa saber tudo de autismo e, acredite,
ninguém sabe. Mesmo os especialistas que lidam com ele diariamente. Por
isso desconfio de tudo o que me parece mirabolante, como a promessa
de cura sem causa – e do uso leviano da palavra cura. Desse
conhecimento que adquiri até agora, nada me ensina tanto e me motiva
mais do que observar o meu filho de perto, em detalhes. Todas as
vezes que olho para ele me sinto apertando a tecla zoom. Preciso
vê-lo além do que é aparente. Preciso compreender o que ele recebe
com incompreensão para que possamos remar contra a maré da
incerteza em que vivemos. Preciso não enlouquecer e também ter a
consciência de que não é benéfico ser completamente sã. Preciso
relaxar das certezas do mundo.</div>
<br />
<div align="justify" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
Se alguém dissesse para aquela mãe de um ano atrás que fui:
“aquieta seu coração, sem medo, segue firme o passo da vida” –
eu não saberia distinguir se esse conselho era um sonho bom ou a
antessala do pesadelo. Eu estava em pânico com um sorriso nos
lábios, eu desmoronava por dentro e o que se via de fora era uma
imensa fortaleza. Eu tinha vergonha de me desnudar como estou fazendo
agora, de assumir que sou tão fraca quanto forte, que choro e
sorrio, que ainda me perco no caminho e preciso me nortear através
de algo que é invisível e instintivo, mora dentro de mim, e pode
ser que nunca provem cientificamente a existência, mas acredito
que seja… amor. <br />
<br /></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-5413332970817848832016-09-09T13:16:00.000-07:002016-09-09T18:22:17.638-07:00O mundo e as diferenças<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgccc-g0PpdKVsTt3WcKUerh0SwnKWF_Y1tEJ6mphFIxgZCs7iVQeynoRWJUtBfz7s4vWKaN7uRNJzY66gQ8johG2EucEYi6PNGBFLSRnKBrv_4n1lAalHiK6QkJdBZp-b-tAbuWZ6FFkQ/s1600/paralimpiadas-800.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="178" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgccc-g0PpdKVsTt3WcKUerh0SwnKWF_Y1tEJ6mphFIxgZCs7iVQeynoRWJUtBfz7s4vWKaN7uRNJzY66gQ8johG2EucEYi6PNGBFLSRnKBrv_4n1lAalHiK6QkJdBZp-b-tAbuWZ6FFkQ/s320/paralimpiadas-800.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Google Imagens</td></tr>
</tbody></table>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;">Quando eu estava entrando na adolescência já gostava de ler e lia
muito mais do que leio agora. Certamente me firmei como leitora de
verdade através da coleção <i>Para Gostar de Ler</i>, da Editora Ática,
que serviu muito bem os jovens adultos da minha geração – todos
eles com mais de 30 anos hoje – e de gerações anteriores.</span></div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Assim que a primeira onda de susto com o tema autismo passou e eu
comecei a raciocinar mais em cima da questão das diferenças em
geral, lembrei imediatamente do texto <i>O Nariz</i>, de Luis Fernando
Verissimo, que li há mais de 20 anos, no livro <i>O Nariz e Outras
Crônicas</i>, da coleção que mencionei. Relendo-o, vejo que ele
me diz bem mais de mim, do mundo em que vivo e do que idealizo
viver, do que disse àquela adolescente lá atrás. </div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Trata-se da história de um dentista de bom nome, clientela certa,
pai de família, vida social estável etc. Esse sujeito exemplar
resolveu, um dia, comprar um nariz postiço – desses que
encontramos fácil para compor uma fantasia de carnaval, com um par
de óculos acoplado. Mas, ele não queria a peça para nenhuma
ocasião festiva e passou a usá-la permanentemente para trabalhar, ir à
padaria, ao clube, ficar em casa, enfim.</div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Essa decisão – de vestir o nariz – foi capaz de desfazer sua vida
em todos os setores: perdeu clientes, amigos, foi enjeitado pela
família, ganhou fama de maluco, acabou sozinho e, a contragosto, no
consultório psiquiátrico. Tudo isso por conta de um acessório de
plástico, que modificou sua apresentação física, sim, pois era uma
diferença perceptível. Porém, não o impediu de continuar a ser o
pai amantíssimo, o esposo fiel, o profissional pontual, a companhia
amiga… Mesmo assim, nenhuma dessas características positivas
parecia maior (aos olhos dos outros) do que o estranho narigão no
meio do seu rosto.</div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
A alegoria que Verissimo usou para compor esse pequeno e brilhante
texto, que refletia a realidade de décadas (séculos, milênios?)
atrás, poderia ter envelhecido, como eu envelheci, contudo,
permanece com o vigor da juventude, atual e vitimando gente todos os
dias. O mundo continua implacável com as pequenas e grandes
diferenças: um nariz de plástico, um peito de borracha, uma
profissão informal, um cabelo crespo, uma condição sexual, um
carro velho, uma roupa fora de moda, um braço a menos, uma tatuagem
a mais, um raciocínio lento, uma olimpíada de pessoas eficientes
com alguma deficiência – quantos <i>et c</i><i>e</i><i>tera </i>cabem
aqui?</div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Não, as pessoas não estão preparadas para ler as entrelinhas das
diferenças, para perceber que cada um individual e coletivamente tem
muito a ganhar com o entendimento da diversidade. E que não se trata
somente de aceitar o outro como ele é – convivência e troca vão
além de aceitação. Ainda precisamos de leis para barrar o
preconceito e a intolerância. Ainda temos veículos de comunicação
fingindo que falam de todos para todos. Ainda temos escolas que não
incluem. Ainda temos pais ensinando filhos a chamarem os colegas de
aleijado, zarolho, retardado, mongoloide, cotó, débil mental. E,
sobretudo, ainda temos vergonha de sair por aí, de peito aberto e
cara lavada, usando nossos narizes de plástico e distribuindo aos
outros gratuitamente mensagens que não são de puro ódio, mas de
compreensão e amor.</div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-83238053665891045242016-08-30T16:31:00.000-07:002016-08-30T16:50:13.003-07:00O futuro de uma criança com TEA/autismo<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnJYnzklGCI4COKLjJumVGWs77QUVROGoSeDgcOkLxgv4_HekVfw2yWqNOUih3rV5HoVon5GpV9JgnO63NPIExq6Wrn9qzdcFZ6GYx02tDBnud7G9mC8NYryDBxDceNB7lZkgk00Vj8yM/s1600/bola+de+cristal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="244" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnJYnzklGCI4COKLjJumVGWs77QUVROGoSeDgcOkLxgv4_HekVfw2yWqNOUih3rV5HoVon5GpV9JgnO63NPIExq6Wrn9qzdcFZ6GYx02tDBnud7G9mC8NYryDBxDceNB7lZkgk00Vj8yM/s320/bola+de+cristal.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O presente está nas nossas mãos (Google Imagens)</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Desde que as expressões TEA* e autismo entraram definitivamente para nossa família, há quase um ano, um dos comentários mais inquietantes que ouvi foi, sem sombra de dúvida, essa pergunta:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Será que ele vai fazer faculdade?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda sinto resistência em escrever a frase e ter que voltar a esse episódio dolorido. Saber que a questão foi proposta por alguém importante no meu círculo afetivo é o mais difícil. Se um desconhecido ou alguém que admiro pouco tivesse jogado uma pedra no meu rosto com mais força ainda, quem sabe, doeria menos. Contudo, quem jogou foi alguém que amo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Minha resposta saiu diplomática:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Como é que eu vou saber se Bento vai para a faculdade? Por acaso seus pais sabiam se você entraria para um curso universitário? Os pais de qualquer criança, no auge da infância, sabem?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As interrogações que deixei no ar devem ter surtido o efeito esperado. A pessoa percebeu que poderia ter sido menos insensível. Não tocou outra vez no assunto "faculdade" e hoje se mostra interessada apenas na evolução de Bento dia a dia. Eu sei que não foi intencional me magoar, mas acontece que quando atropelamos alguém - com ou sem a intenção de atropelar - esse alguém vai sair machucado de qualquer jeito. Por isso é conveniente pensar mil vezes antes de decidir ser imprudente ao volante ou com as palavras.</div>
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Sobre o futuro de Bento ou de qualquer criança dentro ou fora do espectro do autismo o que tenho a dizer é o que já se sabe: não há como prever. Isso não quer dizer que não se deva criar expectativa, apesar de nós, seres humanos, quase nunca sabermos lidar com as expectativas que criamos. Geralmente, elas nos engolem, como a criatura devorando o criador. Se essas expectativas atravessam fases imprevisíveis como a infância e a adolescência para se concretizar lá na vida adulta, então, acertar na mosca é praticamente um exercício de futurologia - coisa que não acredito.</div>
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É impossível para mim pensar qual curso superior meu filho entraria daqui a<i> xis</i> anos, enquanto, na mesa ao lado, ele tem dificuldade de manusear sozinho sua tesoura sem ponta e eu ainda preciso lembrar a ordem dos dedos nos buraquinhos - primeiro o "cata piolho", depois o "fura bolo". Ele ri e tenta de novo e não há faculdade no mundo que ganhe relevância perto desses poucos segundos de carinho e aprendizagem. Então, baseada no esforço e no ritmo dele, crio a expectativa de que mês que vem ele estará mais hábil do que hoje na tesourinha - e estou pronta para destruir o prazo (sem remorso) se Bento precisar de mais tempo e de mais dedicação da minha parte ou mais torcida. </div>
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O perigo de prever o futuro a qualquer preço é que essa atividade nos toma um pedaço precioso do presente, mexe com nosso humor, nossa auto-estima, nossas relações pessoais e até com nossa fé na vida. Quando o futuro chegar, certamente, vai recebê-lo melhor quem tem ideias flexíveis e não planos rígidos. Algumas pessoas com autismo jamais vão falar (até onde sabe a ciência hoje), mas grande parte delas pode se comunicar usando métodos alternativos. Preparar para o futuro deve ser apresentá-las esses métodos até encontrar um que melhor se adeque as suas necessidade e compreensão.</div>
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Existem pais de pessoas com deficiência do tipo incapacitante que preveem deixar uma gorda quantia de dinheiro para ser gerida por empresas quando não estiverem mais aqui para cuidar de seus filhos. Não podemos julgar, eles estão agindo de acordo com as próprias convicções de fazer o bem. Mas, será que se ao longo da vida eles tivessem, além de se preocupado com a grande quantidade de dinheiro a levantar, pensado também em fortalecer as relações de afetividade com membros da própria família ou pessoas próximas, o tratamento desse filho não poderia ser melhor gerido e com um pouco de sentimento, além de zelo profissional? A base do acordo seria confiança. </div>
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Quando falo em não julgar - apenas refletir sobre o tema - é por considerar que o mais importante é alimentar o amor pelo filho. Se eu acho que pais de crianças com mais comprometimento que Bento pensam o futuro de outra maneira? Claro que sim, e o futuro (que é uma projeção) deve mesmo ser pensado caso a caso de acordo com o que cada família tem como referência e prioridade; deve ser visto de várias formas.</div>
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Em se tratando de TEA/autismo, trabalho para ajudar meu filho, prioritariamente, em termos de autonomia e relações sociais, sem forçar a barra, sem tentar extrair dele qualquer coisa que ele genuinamente não possua. Acredito que, removendo algumas pedras do caminho e contornando as que não podem ser removidas, nem o futuro será capaz de nos retirar essa verdade: Bento vai ser quem ele já é.<br />
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<i>*TEA; Transtornos do Espectro do Autismo.</i></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-26249978665026519062016-08-16T19:43:00.000-07:002016-08-30T16:43:24.002-07:00O que as estereotipias comunicam<div style="text-align: justify;">
Você já se viu nervoso diante de uma situação que lhe provocou euforia extrema - tipo, conhecer um ídolo ou o primeiro amor? Esse nervosismo, que também pode aparecer em momentos negativos (medo, vergonha), talvez tenha se dissipado pelo seu corpo através de comportamentos também extremos: tremores, choro, tique nervoso. As suas mãos podem tremer incontrolavelmente quando você avista o microfone e imagina que dali a poucos segundos vai falar para uma plateia; a sua voz pode sair trêmula não importa quão importante você seja ou quanto conhecimento acumule; as mãos podem produzir suor excessivo.</div>
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Tentar controlar tudo isso no momento exato da explosão é quase impossível. O seu corpo está comunicando ao exterior algo que você, racionalmente, não desejaria dizer: não estou no controle das minhas emoções. Lembrando que você é um adulto.</div>
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Agora vamos falar das estereotipias nas crianças com TEA/autismo: balançar o corpo para frente e para trás, abanar as mãos, bater a cabeça na parede, repetir frases incansavelmente etc. Pode ser que seu filho apresente algumas delas e sua reação imediata ao saber que ele está iniciando mais uma sequência é impedir que continue com aquilo. É uma reação óbvia, e eu, como mãe, entendo seu instinto completamente, pois sinto como você sente. </div>
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Então, diante de uma multidão ou de um lugar desconhecido ou de um barulho incômodo, seu filho começa a balançar o corpo sem parar ou a sacudir as mãos. É um comportamento indesejável e todos os terapeutas lhe disseram que deve ser cortado, pois não gera comunicação. Você concordou na hora, entretanto, agora, observando bem seu pequeno, você percebe que o fato de movimentar o corpo daquela maneira estranha parece aliviar momentaneamente sua sensação de inadequação àquele ambiente/momento. Desse modo, você está entre a cruz e a espada: desviar o foco ou tentar compreender com astúcia o que seu filho está tentando lhe dizer e não pode expressar com palavras. Talvez se durante uma crise nervosa alguém pudesse impedir que o seu corpo de mãe tremesse, ele buscaria outra alternativa de expressão do estado emocional - e posso apostar que seria uma mais brusca. </div>
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Veja bem, não estou fazendo "apologia" ao comportamento estereotipado, mas, diferente do que ouço muito por aí, acredito que ele tenha função comunicativa, sim. Quem sabe nós pais e terapeutas possamos, além de podar à foice as estereotipias, mostrar ao nossos filhos que o que eles querem passar com aqueles movimentos todos também possui equivalente em palavras. Ou seja: no lugar de abanar as mãos é possível dizer apenas "estou feliz" ou "quero sair daqui", a depender da situação. Se sua opção é parecida com isso, esteja preparado, pois esse nível de compreensão pode demorar a chegar. Evidente que se a estereotipia envolve autoagressão deve ser contida de imediato, sem que jamais deixe de ser lida nas entrelinhas num segundo momento. </div>
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<b>Son Rise e "juntar-se</b>"</div>
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Nos meus primeiros contatos com o espectro do autismo através de pesquisas sobre linhas terapêuticas adequadas, conheci o programa Son Rise que, como outros, trabalha a motivação da criança como chave para a aprendizagem. O Son Rise acredita no potencial ilimitado de cada criança e considera os pais ferramenta essencial para o desenvolvimento dos filhos. </div>
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Um ponto marcante e polêmico desse programa enfatiza a importância dos comportamentos repetitivos da criança, sugerindo que o adulto deve se juntar a ela nesses comportamentos e rituais. Isso ajudaria na criação de afinidade, no contato ocular e no desenvolvimento social, além de abrir uma porta para a inclusão de novos comportamentos.</div>
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Quando li isso pela primeira vez, pensei: maluquice! Meses depois, enquanto meu filho apresentava a estereotipia de pular e bater os braços, vi um menino se aproximar e espontaneamente imitar o mesmo movimento. No ato, meu filho pareceu sentir alguma atração pela outra criança, olhou rápido, riu timidamente e pude acompanhar meio incrédula o nascimento da interação entre os dois. Tempos após, assim que viu seu comportamento imitado pelo coleguinha, Bento riu sem disfarçar e desenvolveu o ímpeto de abraçá-lo. Numa fase à frente, meu filho começou a imitar os movimentos livres que o outro fazia. Eu nunca interferi nesse processo, apenas acompanhei com a euforia de uma espectadora entusiasmada. E não tive como não lembrar do que tinha lido sobre "juntar-se" e Son Rise meses atrás.<br />
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É claro que esse post não é um incentivo à utilização do programa - que sequer conheço a fundo - mas, com certeza, é mais uma tentativa de reforçar aos pais que temos filhos únicos e que nossa percepção materna/paterna pode nos dizer muito sobre o que eles sentem e pretendem expressar para além da auto-regulação da estereotipia. Precisamos e precisaremos sempre de apoio profissional terapêutico, porém, não há linha inquestionável. Aliás, em se tratando de TEA/autismo e de vida real, desconfie de tudo aquilo que você não possa questionar.<br />
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+ sobre Son Rise <a href="http://autismoblog.com.br/metodo-son-rise/">http://autismoblog.com.br/metodo-son-rise/</a><br />
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+ sobre estereotipias <a href="http://autismoerealidade.org/noticias/autismo-vamos-falar-das-estereotipias/">http://autismoerealidade.org/noticias/autismo-vamos-falar-das-estereotipias/</a></div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-90532944354158844602016-07-31T17:44:00.001-07:002016-08-30T16:44:02.478-07:00Eu também sou autista<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdZt1FlwFViL6BR1aSagAhepZrsGAMxzBtG5_Ixewisuovfk_QRO7Cr_Kpq52rC08ms6APIDPNZ4M8m7NxLADdtbwPrxWoOKPIs7zzC7NYJHDcNdEOSalTka47aEPufOCUwxPW1OyPz08/s1600/image.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="251" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdZt1FlwFViL6BR1aSagAhepZrsGAMxzBtG5_Ixewisuovfk_QRO7Cr_Kpq52rC08ms6APIDPNZ4M8m7NxLADdtbwPrxWoOKPIs7zzC7NYJHDcNdEOSalTka47aEPufOCUwxPW1OyPz08/s320/image.jpeg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Google Imagens</td></tr>
</tbody></table>
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Se seu filho tem TEA/autismo você já deve ter ouvido alguns absurdos sobre essa condição; se ainda não ouviu vai ouvir e quando achar que já é o bastante ouvirá tantas vezes mais. Há pessoas que simplesmente não se cansam de repetir: tem certeza?; é autismo mesmo?; nem parece autista; isso é manha; autismo agora é desculpa pra tudo... Quase ninguém vai se colocar no patamar da coisa, vai ser raro ouvir algo como "não sei nada sobre autismo, você poderia me explicar melhor?". E a vida seguirá a galope.</div>
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Ficar triste, arrasada, desesperançada, todas as vezes em que comentários insensíveis e/ou fruto de desconhecimento aparecerem é o caminho mais óbvio, e também o mais cansativo e inútil. Tenho me comportado assim: quando vale mesmo à pena gastar um tanto de energia mental e emocional com a pessoa em questão, sou prudente em gastar. Quando não, nada como fazer cara de paisagem e ir passando. </div>
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De qualquer forma, algumas passagens marcam fortemente. Se há um comentário que não gostaria mais de ouvir, relacionado ao tema, é o infeliz: "ah, se isso é autismo, eu também sou autista". Quem fala assim geralmente quer ser engraçado, como se pais de crianças recém-diagnosticadas com um transtorno enigmático e incurável estivessem dispostos a rir de toda baboseira. E virão complementos: eu também empilho objetos, eu também tenho sensibilidade auditiva, eu também não gosto de sair da rotina, eu também demorei a falar quando criança, eu também... Todas essas colocações me fazem questionar como de fato o autismo tem sido exposto nos meios populares, com simplismo. E como nós, familiares, temos um papel importante a desempenhar, no sentido de dar nossa contribuição para modificar um pouco a aparente calma embutida na falta de entendimento. </div>
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O autismo não é só uma característica ou um conjunto de características em si, mas, também, como elas se combinam e podem alterar para baixo a qualidade de vida de um indivíduo, afetando prioritariamente suas relações sociais e de autonomia. Duas crianças sem nenhum transtorno identificado podem gostar de empilhar objetos, porém, se só uma delas deixa de se relacionar com outras pessoas e parece ignorar as pedidas ao redor para manter aquele hábito incansável repetidas vezes; ou se tem um surto ao ver que alguém modificou sua sequência lógica de ordenamento, é essa a que pode ser um dia diagnosticada no espectro autista. Se duas pessoas têm sensibilidade auditiva, e ao ouvir o barulho do motor de uma furadeira as duas tentam tapar os ouvidos, contudo, apenas uma corre sem destino, ignorando perigos reais como cair de um penhasco ou ser atropelada, é essa que, quem sabe, tenha TEA/autismo. Será que dá para fazer piada depois de ler isso? Pois é. </div>
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Todos os dias saímos de casa em busca de terapias que auxiliem nossas crianças a conquistar ou reconquistar habilidades que o autismo lhes furtou; temos dinheiro ou não; dirigimos quilômetros ou pulamos de condução em condução com muitas perguntas na ida e poucas respostas na volta; vibramos com conquistas gigantes que para a maioria são um grão de areia. Estamos sendo aquilo o que somos: mães. Não queremos uma medalha de ouro por isso. Mas, queremos respeito sobre a condição dos nossos filhos. É o mínimo. </div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-6621805626614065652016-07-18T05:44:00.002-07:002016-08-30T16:44:35.280-07:00O poder da interação social<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5X0dbi9DrhWtwst7BwYyIaKlXdQt0nNTXg1fqk2hGT56PnzTXCD7Pr-lKKDcsHSoNnmlyhPuLPvrzAXA_iNVzAaWOWW0cOmPriQtBXBpcgnEd74GeO8lF9HdbIYs4agYAbw2XDYEQgA0/s1600/image.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5X0dbi9DrhWtwst7BwYyIaKlXdQt0nNTXg1fqk2hGT56PnzTXCD7Pr-lKKDcsHSoNnmlyhPuLPvrzAXA_iNVzAaWOWW0cOmPriQtBXBpcgnEd74GeO8lF9HdbIYs4agYAbw2XDYEQgA0/s320/image.jpeg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O poder pode estar nas nossas mãos </td></tr>
</tbody></table>
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Duas coisas me deprimiram quando comecei a detectar sensíveis diferenças no desenvolvimento do meu filho - então, com 2 anos e meio - e relacionar essas diferenças com o espectro do autismo: ele teria dificuldade nas suas relações pessoais e de autonomia. Imaginar que meu pequeno garoto, em seu começo de vida, enfrentaria um verdadeiro dilema para desenvolver habilidades que, até então, considerava naturais para qualquer criança, realmente me fez sofrer bastante - e ainda faz, embora hoje eu tenha um pouco mais de entendimento e uma melhor perspectiva. </div>
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<br /></div>
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Posso dizer que essa mudança de reação tem a ver com uma percepção simples, mas que custou chegar: dificuldade não é o mesmo que impossibilidade. Se algo é difícil para meu filho, isso não quer dizer que ele não vá realizar. Quer dizer que ele pode precisar de mais demonstração e repetição, mais atenção e mais auxílio para lidar com questões que outras crianças se habilitam sem ao menos sentir que se trata de um processo com diversas etapas. O auxílio a que me refiro não tem relação com superproteção, deve ser entendido como um encorajamento à autonomia; acompanhar até quando ele pareça pronto a seguir sozinho para tomar suas próprias decisões certas e erradas. É um caminho longo, mas desde que percebi que tenho função nessa caminhada vivo em cada propósito a possibilidade vê-lo mais feliz.</div>
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<br /></div>
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Há uma semana conclui a leitura de "Olhe nos meus olhos - minha vida com a Síndrome de Asperger", de John Elder Robison, diagnosticado depois de adulto. Bento não tem diagnóstico de Asperger, porém, como a síndrome também faz parte dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), há mais semelhanças do que diferenças com as demais categorias. Com uma incrível aptidão para a engenharia elétrica, o que mais me tocou nessa biografia foi ver o autor assumir em vários capítulos que embora tivesse marcante déficit na interação social - dificuldade de olhar nos olhos, interpretar expressões faciais, entender metáforas, além ter interesses restritos e comportamentos repetitivos -, ainda assim, sua grande busca a vida inteira foi se aproximar das pessoas. Essa aproximação não foi pacífica desde a infância. Em uma passagem, ele conta que quando criança tentou afagar uma coleguinha que gostava muito com um pedaço de pau. Para todos ali, no jardim da infância, o gesto soou apenas agressivo, ninguém entendeu (e ele não seria capaz de explicar na época): era uma tentativa insana de se aproximar. Obviamente, resultou em afastamento.<br />
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<i>Muitas descrições do autismo e Asperger descrevem pessoas como eu "não querendo contato com outras pessoas" ou "optando por brincar sozinho". Eu não posso falar em nome de outras crianças mas gostaria de ser muito claro sobre meus sentimentos: eu nunca <b>quis</b> ficar sozinho. E todos aqueles psicólogos infantis que disseram "John prefere brincar sozinho" estavam completamente enganados. Eu estava sozinho como resultado das minhas próprias limitações, e estar sozinho foi uma das mais amargas decepções da minha vida, quando criança. A dor daqueles primeiros fracassos me seguiu durante a idade adulta, mesmo depois que eu aprendi sobre Asperger", (p. 191).</i><br />
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Robison reconhece ainda algo que considero fudamental para qualquer criança com TEA/autismo e mais ainda se ela tiver uma grande habilidade: a importância de estabelecer relações e vínculos sociais. Dotado de uma aptidão evidente, ele poderia ter se tornado um gênio na área, mas não valeria à pena se isso lhe custasse o preço de não ter uma vida comum de empresário e chefe de família, participar do cotidiano do próprio bairro e junto aos amigos de infância - que atravessaram com ele a seara da estranheza - ver ressurgir a equipe de basquete da cidade onde ainda mora.<br />
<br />
Os talentos de nenhuma criança devem ser abafados, pelo contrário, porém, existem habilidades primárias (como a sociabilização, a comunicação, a autonomia) que merecem grande atenção por parte dos pais ou responsáveis e estímulo constante (profissional e doméstico). A interação com crianças da mesma faixa de idade, talvez seja o grande trunfo para o desenvolvimento de muitos pequenos com TEA/autismo. E é preciso que se diga: interagir é partilhar - não apenas estar perto. É se dirigir a outras crianças e pessoas em geral com intenção comunicativa, iniciar diálogo e manter-se nele, prestar atenção ao que o outro diz, reconhcer expressões da face e do corpo, entrar em sintonia com a emoção dos outros etc. A maioria das crianças sem transtorno de desenvolvimento já alcançam esse nível de interação antes dos 3 anos de idade; crianças atípicas podem demorar um pouco ou muito mais. <br />
<br />
Sim, existem pais que reforçam os interesses fixos e repetitivos dos próprios filhos e o isolamento social. Eu prefiro acreditar que fazem isso por desconhecimento. Mais valioso, certamente, seria investir em interação. Detalhe: será mais difícil e demorado. Quando uma criança com TEA/autismo rejeita estar na presença de outras isso não, necessariamente, quer dizer que ela não gosta de crianças. A fuga, o afastamento e até a agressão podem ser um pedido de socorro de quem não tem palavras ou não consegue expressar com elas uma imensa falta de traquejo social que também atormenta e fere.</div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-40496165436955593262016-07-06T06:40:00.001-07:002016-08-30T16:45:14.485-07:00Olhe nos meus olhos!*<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhX7NoxNA-78wrVEKRZmnIKftimBue2pjAf0d81ik6WfRBGGYvnSk252QBwO6Z-lW3YgX7bY7Lxpuau3rW89KVSFv00f9q99GALnlNOKj3SnH3HVBoaSUH-9QTxii_1lQ9LROJFpsAhNSo/s1600/image.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="289" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhX7NoxNA-78wrVEKRZmnIKftimBue2pjAf0d81ik6WfRBGGYvnSk252QBwO6Z-lW3YgX7bY7Lxpuau3rW89KVSFv00f9q99GALnlNOKj3SnH3HVBoaSUH-9QTxii_1lQ9LROJFpsAhNSo/s320/image.jpeg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O verdadeiro olhar nos olhos: sem cobrança ou obrigação (arquivo jul. 2016)</td></tr>
</tbody></table>
<br />
- Bento, olhe nos olhos da mamãe!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Já perdi as contas de quantas vezes proferi essa frase, fazendo com que meu filho saia da aparente paz que o carrega para longe de mim quando lança seu olhar vago rumo a algo que eu não consigo enxergar. Uma paz que não entendo. Não sei se não entender o porquê dele estar parado, fitando o "nada absoluto", como se o mundo ao redor não existisse, é o que me faz querer tirá-lo dali, daquele sentimento que ele vive sozinho e eu, sua mãe, não consigo acessar. Provavelmente seja.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O autismo é isso: não lhe dá respostas. Pelo contrário: lança perguntas e mais perguntas num ritmo tão frenético que ninguém tem como acompanhar e responder, a não ser com hipóteses.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
-Bento, olha no olho da mamãe.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Digo novamente. Ele olha. Às vezes, sorri. Não sei do que está sorrindo e ele também não saberá explicar se eu perguntar. Bento faz 4 anos em outubro, é uma criança excepcional, carinhosa e inteligente, mas vive amarrado a uma coisa que não é apenas ele mesmo. Essa coisa se chama autismo. Não é doença, é um transtorno que impede que seu desenvolvimento acompanhe o ritmo natural da idade, em algumas áreas. Bento tem uma memória incrível e a capacidade de leitura precoce que impressiona qualquer adulto (da escola à padaria, da família a meros desconhecidos). Mas tem também uma trava nas relações sociais que atravanca sua intenção comunicativa, interfere na fala, atrai o foco de sua atenção para questões irrelevantes e lhe provoca muita ansiedade. Eu estou sempre em busca de lidar melhor com todas essas condições, lutando para que a maioria delas seja transitória, mas nem sempre é possível ver tudo, de tão perto, com naturalidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Faço coisas erradas, como qualquer pessoa viva, e nenhuma delas para prejuízo do meu filho. Já busquei confortá-lo com frases simples, porém a ideia por trás delas pode parecer complexa:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
-Bento, a mamãe tem algo muito importante para lhe falar. Se você não quiser, não precisa olhar nos meus olhos, quero apenas que você escute.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E pude sentir meu filho mais atento e menos nervoso. Embora ele olhasse o tempo inteiro para o chão, enquanto cavava um buraco imaginário com os pés, senti que estava conectado e calmo. Entre nós dois não existiu a tensão do olhar no olho. Essa lembrança me marca fortemente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É claro que não deve ser uma conduta com aprovação das maiores linhas terapêuticas para TEA/autismo, mas se alguma terapeuta vier me dizer que posso estar atrapalhando a evolução do meu filho com essa atitude, vai ter que me ouvir rebater que agir contra isso está atrapalhando meu senso de maternidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Padrão de confiança</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O gerente do seu banco olha nos seus olhos quando está prestes a fechar um negócio em que você não é o maior beneficiado; o namorado infiel olha nos seus olhos quando jura que você é a única; a colega de trabalho olha nos seus olhos e lhe dá parabéns depois de ter dificultado sua promoção.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Olhar nos olhos não é sinônimo de confiança, honestidade ou sensibilidade, é uma convenção social, e mesmo sabendo disso fica difícil compreender quem não é convencional. Convenções não consideram o indivíduo, e sim o coletivo. Não há problema algum em ser convencional, olhar no fundo dos olhos do outro, seguir um padrão de comportamento esperado; danoso é não aceitar variações, possibilidades. Perceber o outro em sua particularidade está cada vez mais raro. Sentir o outro é trabalhoso, mais fácil olhar apenas, vendo a superfície. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu treinairia incansavelmente a habilidade de fitar o globo ocular da outra pessoa enquanto fala se disso dependesse a felicidade do meu filho. Mas não depende. Ainda assim, mais ou menos dia sei que ele pode sentir a necessidade de seguir esse padrão, em nome de enquadrar-se, ser igual. E eu também poderei ter a artificial sensação de alívio, mesmo entendendo que para olhar para aqueles rostos (e para aquelas lentes de máquina fotográfica) por alguns instantes ele precisou deixar de ser um pouquinho quem ele é, abandonado sua paz introspectiva para guerrear conosco no nosso mundo de olhar torto e mensagem subliminar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
* "Olhe nos meus olhos" é o título do livro autobiográfico de John Elder Robson, diagnosticado com Síndrome de Asperger (que é um transtorno do espectro do autismo) depois de adulto. Embora tenha iniciado há pouco essa leitura, já percebi o quanto ela é inspiradora. </div>
Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2700889725009198502.post-35090054624692943512016-06-20T11:22:00.001-07:002016-06-21T06:34:28.577-07:00Brincadeira é aprendizagem <table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0wVYeZyVNqtBrzi2WifoLDQ8fLuPWG1ICTFwQUtjDizvY3VHon9DP2UQCFFv-oQ0dAG0725OOECYZ7jVxIXO6bVNZXfRnnkWaPgpkHoyrI4wvDuPQAzK_LxKIN4oshlp-GMvE-sZ1SLk/s1600/image.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0wVYeZyVNqtBrzi2WifoLDQ8fLuPWG1ICTFwQUtjDizvY3VHon9DP2UQCFFv-oQ0dAG0725OOECYZ7jVxIXO6bVNZXfRnnkWaPgpkHoyrI4wvDuPQAzK_LxKIN4oshlp-GMvE-sZ1SLk/s320/image.jpeg" width="240" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Brinquem, filhos (arquivo pessoal/jun. 2016)</td></tr>
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">A gente sempre acha que sabe tudo, a certeza é uma fase que nunca passa. Começa na infância inocentemente, atravessa a adolescência com ares de revolta, chega a vida adulta repleta de embasamentos religioso, científico, filosófico, (...), e, enfim, é sepultada com a teimosia da velhice.</span></div>
<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;"></span><br />
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Há cerca de um mês, depois de mais uma daquelas gripes recorrentes na pré-escola, uma amiga me contou que vai tirar o filho da escolinha por recomendação da pediatra. Até aí tudo bem, embora de cara qualquer um possa considerar exagero, trata-se de uma sugestão médica, e deve estar fundamentada em razões que apenas essa profissional e a família do menino têm conhecimento. O absurdo foi a frase complementar, naquele momento antes de fechar a porta do consultório e chamar o próximo: "Não vai causar mal nenhum tirar da escola, nessa idade eles não aprendem nada, só brincam".</span></div>
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Esse não é o primeiro nem será o último absurdo dito por pediatras. Aliás, sem generalizar, está cada vez mais difícil conseguir um médico para confiar a saúde e o bem estar das nossas crianças. Nesses grupos de WhatsApp, então, é uma verdadeira dança das cadeiras. Sempre há uma mãe perdida, atrás de uma boa indicação. Falta empatia, compromisso e muitas vezes falta profissionalismo mesmo.</span></div>
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Retomando o assunto: se você tem um filho no espectro do autismo ou fora dele já deve saber que a criança aprende enquanto brinca. Não há mistério nessa sentença. E se um dia for preciso falar disso num tom mais sério, cite a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Os três reconhecem o ato de <a href="http://www.avante.org.br/direito-ao-brincar-garantido-por-lei-preterido-na-pratica/" target="_blank">brincar como direito essencial</a> ao desenvolvimento infantil. </span></div>
<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;"></span><br />
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Fui uma criança que brincou desesperadamente durante toda a infância. Estava sempre imaginando, esperando os primos chegarem para tramarmos juntos, correr na rua com brincadeiras sem fim e quando o dia acabava sabíamos que na manhã seguinte teria mais. Íamos dormir exaustos, completamente acabados e, às vezes, com os pés pretos de grude. </span></div>
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Com as crianças de hoje é diferente. Os jovens avós trabalham e não tem tanto tempo disponível, os primos são quase sempre poucos e distantes e ter um irmão está se tornando artigo de luxo. A brincadeira da rua migrou para o play dos prédios; as crianças já não se encontram umas nas casas das outras, e sim nas praças de alimentação dos shoppings. Brincar tem um custo alto - a calcular pelo preço dos brinquedos. É claro que essas mudanças de rotina e concepção criariam uma geração com novos hábitos e também novas dificuldades. </span></div>
<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;"></span><br />
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Muitas crianças sem nenhum transtorno de desenvolvimento catalogado têm desenvolvido problemas sensoriais e motores diversos, que geralmente se acompanham de reações psíquicas. Sensibilidade a texturas diferentes (areia, pedrisco, grama), falta de equilíbrio, medo de saltar, medo de altura, falta de concentração, ansiedade, dificuldade de socializar, entre outras. Para os pequenos com TEA/autismo todas essas dificuldades já podem vir como "itens do pacote" - seja pelo próprio déficit de comunicação/interação ou por razões orgânicas (como a hipotonia muscular, por exemplo). Quanto menos essas crianças tiverem o seu lúdico alimentado através de brincadeiras livres ou estruturadas e quanto menos forem expostas (com amparo profissional) a estímulos sensoriais que rejeitam, maior é a possibilidade das características do autismo se instalarem de forma cada vez mais problemática. </span></div>
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Escola é um ambiente desafiador. Toda criança precisa ser desafiada e não apenas significar para os pais um desafio constante. Na primeira consulta do meu filho na psiquiatra ouvi: "Ele já está na escola? Se não está, procure uma imediatamente". Pré-escola é brincadeira, sociabilização e aprendizagem mediada por educadores. Há falhas no caminho? Muitas. E cabe aos pais observar e intervir, provocando melhoria. </span><br />
<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;"><br /></span></div>
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<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;">Nenhum pediatra sabe tudo. Nenhum pai, nenhuma mãe, nenhuma professora sabe ou absolutamente tem a obrigação de saber. Mas, é incrível como, ao contrário do conhecimento, a ignorância seja uma matéria tão fácil de transmitir. </span><br />
<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 17px;"><br /></span>
<span style="font-family: "uictfonttextstylebody";"><span style="font-size: 17px;"><a href="http://borboletaazulautismo.blogspot.com.br/2012/10/10-brincadeiras-bacanas-para-criancas.html?m=1" target="_blank">• DICA: 10 brincadeiras bacanas para fazer com crianças com TEA/autismo.</a></span></span></div>
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</span>Isolda Herculanohttp://www.blogger.com/profile/13755829726385460080noreply@blogger.com0