terça-feira, 22 de março de 2016

Sobre ser mãe novamente depois do diagnóstico de TEA/autismo

Bento e Tomé: tão diferentes e tão iguais para mim (arquivo/mar.2016)
Eu tenho um filho de 3 anos e meio enquadrado nos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), o Bento. E tenho um bebê de 8 meses chamado Tomé. Quando engravidei do caçula não sabia da possibilidade de Bento ser dignosticado autista - aliás, isso nunca me passou pela cabeça até ele iniciar na escolinha, aos 2 anos e 4 meses.

No primeiro dia de aula de Bento eu estava com 4 meses de gestação e foi só a partir do confronto com o desenvolvimento dos coleguinhas, especialmente nas áreas da linguagem e interação social, que comecei a notar nele sinais de atraso. Impossível não admitir que tive uma gravidez tensa, fui uma grávida quase deprimida. Mas, no meio daquela situação não me ocorreu que meu segundo filho tinha chances de ser autista também. Minha tensão/preocupação estava toda concentrada em Bento, pois sabia quase nada de autismo, porém, bastou descobrir que era uma condição que lhe acompanharia a vida inteira para que eu perdesse o ar. Somente depois que Tomé nasceu vim tomar conhecimento que, apesar da causa ou das causas do autismo não terem sido confirmadas/catalogadas pela ciência, a questão da base genética é quase um consenso entre pesquisadores.

Ocorre que as chances de um irmão de autista nascer com a mesma síndrome é maior. Uma pesquisa publicada no jornal científico dinamarquês JAMA Pediatrics, em agosto de 2013, noticiou que “irmãos mais novos de crianças já diagnosticadas com transtornos do espectro têm cerca de sete vezes mais risco de desenvolver autismo” (Revista Crescer). O estudo em comento foi realizado com quase um milhão e meio de crianças nascidas na Dinamarca de 1980 a 2004 e acompanhadas pelos cientistas até 2010.*

Sabido isso, a possibilidade de Tomé também carregar o autismo no genes me assombra? A resposta é não. O que algumas mães já me perguntaram diretamente foi: você teria coragem de engravidar de novo se tivesse consciência do diagnóstico de autismo de seu primeiro filho? Agora minha resposta é sim. Admito que jamais conseguirei ser imparcial diante dessa questão, pois meu pequeno Tomé já está aqui conosco complementando nossa felicidade. Minha reação diante dessa probabilidade real é observar melhor meu filho caçula, acompanhar seus marcos de desenvolvimento e ao sinal de atraso começar mais precocemente a investigação e as intervenções. Sem esquecer que ele é meu filho e não posso viver essa relação com os olhos de quem está sempre analisando.

Hoje, com todos os desafios que a rotina nos apresenta, já não temo o autismo como no começo. Sofro pontualmente com as dificuldades que podem parecer intransponíveis (e não são!), mas procuro não estender esse sofrimento - me tornei uma pessoa mais criteriosa com o tempo. Bento tem acompanhamento periódico de uma psiquiatra infantil e de uma psicóloga, faz fonoaudiologia e terapia ocupacional como tratamento específico para o autismo. Natação é um extra, mas noto que desde que inseri o esporte em sua rotina ele tem melhorado muito a interação, fala, consciência corporal, organização. Ter um irmão, além da carga afetiva também é um bombardeio de estímulos e ele se tornou mais sociável depois disso, inclusive, aprendeu a dialogar melhor conversando com o irmão bebê. Acompanhar isso me emociona brutalmente. Ver os dois juntos é meu elixir da felicidade.

É claro que continuo a entender o temor das mães de autistas em relação a uma segunda gestação. O impacto de um diagnóstico de TEA é grande. O investimento emocional e financeiro podem ser (e geralmente são) enormes. Os graus variam no autismo e a segunda criança pode vir com mais comprometimento do que a primeira. Portanto, nunca vai ser fácil decidir e se essa decisão passar pela aniquilação de um sonho (ser mãe novamente, ver os filhos terem irmãos) é um complicador a mais.

No meu caso em particular, nunca pensei em ter apenas um filho e sempre desejei ser mãe de meninos. Quando vejo Bento e Tomé, entendo que fui atendida nesse desejo e preciso aproveitar da melhor maneira essa chance da vida. Acredito piamente que meus filhos já eram meus antes de terem nascido e isso nada tem a ver com religião, é uma intuição materna. Eles são a minha realização de sonho desde os tempos de menina e sou completa por poder ter crescido para viver esse amor incrível.

*Fonte: Autismo e Realidade - http://autismoerealidade.org/noticias/a-chegada-do-irmao-outro-autista/

6 comentários:

  1. Isolda preciso conversar com VC,precisava trocar algumas experiências. Tentar entrar em contato comigo.

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  2. Isolda, estou maravilhada com sua postura. Lê seus textos me traz um ensinamento profundo, não só sobre o assunto abordado como lição de vida.
    Queria lhe dá um forte abraço em agradecimento por esta lição de força, coragem e amor, embora saiba que a maternidade nos fortalece, mas você adquiriu uma força inabalável se tornando cada vez mais essa mulher de fibra e guerreira.
    Preciso compartilhar seus textos para pessoas que possivelmente não terão a chance de os lê.

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    1. Obrigada! Estou sem ter o que dizer. Mas, guarde esse abraço que eu vou cobrar. Beijos!

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  3. Olá, Boa noite, fui colega de escola do seu esposo lá em Satuba, e há uns anos o reencontrei no facebook, confesso que fiquei imensamente feliz de ver que aquele menino inteligente tornou-se médico e pai, que diante dos comentários é excelente. De repente (hoje) vi suas postagens sobre o autismo e fui lendo e lendo e lendo e gostei muito. Muito bonita sua postura como mãe, talvez o site foi um escape para você, não sei, mas que muita gente precisa ler disso eu sei que sim, até mesmo quem não enfrenta essa batalha, como eu, mas que pode ter que lidar no futuro. Parabéns, continue publicando. Bjão

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  4. Boa noite, Beatriz. Obrigada pelos elogios ao meu marido, ele é muito inteligente mesmo e alia sua inteligência ao esforço imenso de correr atrás dos sonhos. É fácil admirá-lo por essas qualidades. Quanto ao blog ele é tudo junto: registro, válvula de escape, comunicação, descoberta. Talvez seja muito mais! Obrigada pela visita e por essa linda abertura ao novo, ainda que o novo seja diferente. Beijos!

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