segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Ter um irmão com TEA/autismo

Desejem, filhos, desejem (arquivo/out.2017)
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- Bom dia, Tomé!
- Bom dia, mamãe. Você sonhou com o que?
- Eu sonhei que estava viajando de avião. E você, filho?
- Eu sonhei com o Bento.
- Que legal, filho, sonhar com o irmão. E o que o Bento estava fazendo?
- Ele estava na terapia.
*

Esse diálogo entre Tomé e eu foi travado semana passada, assim que acordamos. Tomé é meu filho caçula, tem 2 anos e 4 meses – é uma criança típica. Bento, o mais velho, fez 5 anos recente – é autista leve, asperger.

Bento e Tomé têm diferenças óbvias, que não se resumem à neurodiversidade, claro, são o somatório da fase, do temperamento, das preferências etc. Em casa, procurarmos levar em consideração o fato de serem diferentes para tomarmos decisões também baseadas em quem eles são e não somente no fato de serem irmãos. Ou seja: se um está no judô, não necessariamente os dois precisam estar – são livres para mostrar suas aptidões e a partir da nossa leitura sobre essas aptidões decidimos esporte, outra ocupação, enfim. É o nosso jeito de conduzir o barco. Não buscamos uma fórmula para nada, vamos tentando ser felizes em nossas dificuldades, lembrando sempre que a vida é dinâmica, portanto, não há garantias.

Os dois estudam em escolas diferentes, pois no início do ano Tomé não tinha a idade mínima de 2 anos para ser admitido na escola de Bento. Como cada um teceu seus laços de afeição na escola em que está atualmente não tomamos como obrigatório matriculá-los no mesmo local ano que vem. Claro que é uma tentação. Seria mais cômodo para nós, um ficaria mais perto do outro, ganharíamos um desconto vagabundo, que seja, mas... Com ambos afeiçoados as próprias e diferentes escolas, escolher, nesse momento, seria favorecer um deles em desfavor do outro no que tange à individualidade. É claro que em vários momentos da vida não dá para escapar do favorecimento, porém, quando dá é essa nossa alternativa em família.

O que preciso admitir aqui é: quando falo em favorecimento, entendo que, apesar de tentar ser justa a maior parte do tempo, Tomé acaba tendo a rotina mais influenciada pela rotina do irmão e, muitas vezes, prejudicada porque está comigo esperando a sessão de terapia do Bento acabar, uma aula de natação, uma atividade estruturada em casa que não lhe inclui ao invés de estar dormindo, fazendo suas próprias atividades, atrapalhando o irmão sem que interromper pareça fatal... Confesso que é difícil balancear no dia a dia, pois ele percebe que o tipo de atenção dada ao irmão é outra e me cobra geralmente com desafios e situações que me tiram do sério. Eu entendo a posição de inconformismo dele, do alto dos seus 2 anos de idade, percebo o quanto já reage a isso com um instinto de domínio sobre as situações, comportando-se como se fosse ele o irmão mais velho. Também sinto que Tomé absorve bem mais prontamente meu estado emocional instável e temo que no futuro esse combo lhe faça mais mal do que bem.

Já li alguns artigos, embora sejam raros, sobre o impacto de ter um irmão com TEA/autismo (vou disponibilizar o link para dois deles ao final desse post) e em uma dessas leituras encontrei um dado interessante, embora não confortável. De que “um alto nível de sintomas de depressão materna também estava associado a níveis mais altos de sintomas de depressão e ansiedade nos irmãos sem TEAs”. Sim, é mais um ponto para nossa cota de culpa materna, contudo, faz sentido e nos serve de orientação.

Atenção se o filho não-autista é uma criança que desde cedo precisa encarar o fato de que a) seu irmão tem necessidades específicas (e essas dificuldades nem sempre são discutidas com naturalidade em casa), b) vê seu amadurecimento acelerado e precisa assumir responsabilidades incomuns para a idade, c) convive com uma mãe que pode estar deprimida, possivelmente, por se sentir incapaz dentro de muitas demandas. É muito para uma criança, não acha? Mas, os resultados dessa operação nem sempre aparecem na infância. A tendência é que em irmãos neurotípicos de indivíduos com TEA sintomas de depressão e comportamentos-problema se acentuem na adolescência, afirma um dos estudos.

Voltando ao sonho do meu pequeno Tomé, com o qual iniciei esse post, embora o diálogo tenha soado até engraçadinho, não preciso fingir que não denota uma tensão. As pesquisas já reconhecem isso, o que é bom, e sugerem a necessidade de intervenções que contem com a participação dos irmãos não-autistas, a identificação de estratégias e/ou recursos que possam ajudá-los a lidar com situações estressantes, porém, é tudo muito prematuro, um mundo ainda precisa se abrir nessa direção. Quando isso acontecer, quem sabe sentiremos o alívio de ter sempre apontado o leme para a lado certo, sem bússola, guiados só pelo amor e a intuição. Caso contrário, que haja ainda muito mar para navegar. 

Bento e Tomé têm um amor transcendente um pelo outro, é incrível vê-los juntos brincando, fazendo qualquer coisa ou nada. Sendo o que são: irmãos.
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Artigos citados:


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