domingo, 21 de fevereiro de 2016

Meu filho não é autista

Quando classifico meu filho de autista estou improvisando uma maneira de me comunicar melhor com o mundo, já que a expressão "autismo" é o carro-chefe dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Se digo "autismo" sinto que minha voz ressoa; se digo TEA recebo incompreensão no ato. Sempre que alguém se mostra disposto a escutar algo a mais sobre TEA, por questões de tempo ou interesse, falo com imensa alegria do pouco que sei; se a conversa é rápida ou se resume a uma palavra apenas, serei melhor compreendida se essa palavra for "autismo", com certeza.

Ressalto nesse texto que meu filho não é autista por uma razão simples: ele não tem um diagnóstico. Falar em autismo nos dias de hoje ainda não é fácil. Existem pessoas - a quem devo consideração - estudando anos a fio sobre o transtorno, mas nenhuma delas respondeu o crucial: de onde veio e para onde vai. Não há causa definida, há possibilidade e hipótese. Cada qual pode escolher a que mais lhe convém. Em se tratando de saúde mental, isso é estranhíssimo, não?!

Nenhum exame me dirá "seu filho é autista"; a avaliação é clínica e médicos com "faro" apurado devem existir poucos. Enquanto escrevo isso, torço para mais profissionais se especializarem e se atualizarem na área - é o mínimo que posso desejar. 

Quando levei Bento a psiquiatra infantil o que ela me disse nos primeiros minutos da consulta, que durou mais de uma hora, foi: a menos que uma criança possua características explícitas para autismo, diagnosticar jamais será um processo rápido; é necessário avaliar, estimular e repetir essa dinâmica quantas vezes for necessário até que se pense em chegar a um diagnóstico. Não conheço aquela mulher pessoalmente, mas sua atitude responsável me fez lhe admirar para sempre. Vejo crianças por aí com déficit de desenvolvimento semelhante ao de Bento e já com um diagnóstico em mãos;  impossível não relembrar aquelas palavras.

Isso não quer dizer, em absoluto, que eu negue diagnósticos. De maneira alguma. Esse blog público é, inclusive, uma das formas mais abrangentes que tenho de afirmação. Não afirmação diagnóstica, pois não tenho poder para isso, mas de afirmação de uma condição estranha que estou disposta a enfrentar por amor ao meu filho, que tem dificuldades incomuns a maioria das crianças da mesma idade. Dizer que ele é autista ou que ele não é autista não vai resolvê-las ou amenizá-las. Todos os dias ele recebe estimulação profissional e familiar, além do carinho de todos os que se aproximam dele. Isso é o que certamente já está fazendo a diferença. 

Muitas pessoas acreditam que TEA e autismo são a mesma coisa. Não são. O autismo é apenas um dos transtornos dentro da categoria TEA, que inclui ainda síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo da infância e transtorno global ou invasivo do desenvolvimento sem outra especificação. Bem resumidamente - resumidamente mesmo! - de acordo com a última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V), devem ser investigados para diagnóstico de autismo, indivíduos que apresentam:

a) deficiências sociais e de comunicação;
b) interesses restritos, fixos e intensos e comportamentos repetitivos.*

Apenas esses dois itens? Sim. Por isso, parece um convite para fazermos o diagnóstico em casa. Não é verdade? Então, muitas mães concluem: meu filho não anda na ponta dos pés, não gira rodas de carrinhos de ponta cabeça, não é organizado, possui contato visual satisfatório, fala, não é agressivo etc. etc. etc. E o DSM V sequer cita qualquer dessas especificidades para avaliação imediata. Para TEA esses critérios são um pouco mais abrangentes*. A palavra "espectro", aliás, admite variações, de características e intensidade. O que vemos é infinitamente menor do que o que não podemos ver - o bom auxílio profissional é obrigatório.

Onde quero chegar é exatamente aqui: diagnóstico - especialmente se a criança não apresenta comorbidades que podem estar associadas ao autismo - não deve ser protagonista, muito menos num primeiro momento. Mais dia, menos dia, ele vai chegar. A estimulação, sim, merece protagonismo, é urgente e (que maravilha!) não depende de nenhum diagnóstico fechado para começar.

--------------------
*Fonte: http://autismoerealidade.org/informe-se/sobre-o-autismo/diagnosticos-do-autismo/  

5 comentários:

  1. Isolda quanto mais leio, mais quero ler. Quando vi o tempo voou!!! Parabéns querida, adoro o seu jeito competente de conduzir seu raciocínio e nos levar junto. Coerente, sensato. Muito bom! Embora não comente sempre, sigo te visitando e que sorte a minha por poder fazer isso :]

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que honra sua visita, Fausta, e suas palavras. Eu aprendo muito quando leio o que você escreve; aprendo com sua vivência e sua sensibilidade. Beijos! A porta desta casa está sempre aberta.

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Olá Isolda,meu nome é Marcia, sou mãe de Davi que assim como Bento não tem um diagnóstico fechado. Leio todas suas postagens e agradeço, pois me identifico com a maioria delas, te agradeço por compartilhar suas vivências com o Bento.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Márcia, querida. Obrigada por estar aqui e me apresentar seu filho Davi através dessas poucas palavras. Assim como todos os autistas, TEA ou assemllhados, têm diferenças que os separam e semelhanças que os unem muito... Assim como eles, somos nós, as mães. Sempre vamos encontrar nossas histórias recontadas na vida de outra família. E nos sentiremos próximas por isso, por mais distante que estejamos. Beijos!

      Excluir