sexta-feira, 4 de março de 2016

Sobre autistas e carrinhos

Carros: qual menino, e menina, não adora? (arquivo/março 2016)
Não sei se você chama tudo o que o seu filho autista gosta muito de "obsessão". Eu não chamo. Olho para o meu filho, inocente em gestos e palavras, e vejo o autismo lhe revestindo, como uma capa de chuva, mas, a essência dele é o que está debaixo da capa, é a pele, o corpo, enfim.

Que eu lembre, a primeira frase altamente emocional que ouvi de Bento foi pouco antes (ou pouco depois) de fazer 3 anos. Suas frases costumam ser curtas, mas nesse dia veio com todas as letrinhas: papai, vamos dirigir o carro, eu adoro dirigir. Não esqueço essas palavras nem a doçura do meu filho a pronunciá-las. É verdade, ele ama carros e ama dirigir.

Então, venho prestando atenção no seu comportamento em relação aos automóveis. Ele sempre me pede para dirigir um pouquinho quando estaciono na garagem de casa. Às vezes deixo. Às vezes não. Ele também pergunta as partes do carro: coisa que ensino superficialmente, pois conheço o fundamental. As que eu sei, ele também já sabe: capô, faróis, para-brisa, para-choque, placa, reboque, espelho retrovisor, tanque de gasolina e por aí vai... Não raro ele identifica todas as partes nos brinquedos dele e nos carros de verdade que vê quando sai. Se não fosse o espectro autista seria uma criança com um hobby. Ou é um hobby? 

Onde realmente começa a "patologia" e onde "termina" a criança? Isso eu não sei responder. Onde começa a mãe do autista e onde termina a mãe, mãe simplesmente? Tenho prestado bastante atenção nessas questões. Para não esquecer que eu quero ver progresso no meu filho, mas não sou terapeuta, não sou fonoaudióloga, não sou psicóloga, sou a mãe dele. Posso estimular sem perceber: brincando. Posso educar sem pressão: conversando. Posso recolher suas tristezas no colo: colo de mãe. Posso ser sua companhia ideal: desligando mais o celular. Posso ser o complemento necessário para as atividades que ele desenvolve com apoio profissional, desde que no "intervalo" da maternidade. 

Vejo mães de autistas, todos os dias, pensarem que estão nadando no mar do autismo, quando estão, na verdade, se afogando. Na leitura exagerada, por exemplo - e sem fonte confiável. Eu mesma não posso me incluir fora disso. Já bebi muito dessa água salgada, ainda bebo, só não quero permanecer bebendo. Vou continuar a ser mãe de autista, até as últimas consequências, mas meu filho terá preferências, que não chamarei de obsessão, ao menos que elas comecem a lhe agredir de alguma maneira, desestruturando-o, tirando-o de si. Até lá ainda conversaremos muito sobre carros e, quem sabe um dia, ele me dê o prazer de lhe ensinar a dirigir.

4 comentários:

  1. Verdade!
    Onde o autismo termina e as fases da criança começa? Muitas mães esquece de ser a mãe, esquece do principal, ser mãe e da carinho, amor afeto... Não adianta uma criança ter "N" terapias e não ter o principal.

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  2. Leah, que bom te ver aqui também. Você, mais do que ninguém, testemunha essa realidade todos os dias. Estímulo com amor tem mais valor! Beijos.

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  3. Meu filho tem 3 anos e também só fala de aviões. Brinca com avioes, desenha avioes, assiste aviões e imita aviões, chega a ponto de pedir um video qualquer no youtube e logo em seguida, muda solta a frase: "Põe o video dos aviões!?"

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    1. Importante você tentar direciona-lo para outros interesses. Não como forma de proibir o acesso dele ao conteúdo que ele tanto gosta - quem sabe teremos no fiuro um especialista em aviação? - mas que para ele possa abrir seu olhar sobre o mundo e compreender que existem coisas tão ou mais legais do que aviões. Abraço.

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