quinta-feira, 10 de março de 2016

Meu filho fala, mas...

O rei do blablablá em ação (arquivo/2016)
Bento sempre falou de acordo com os marcos da idade. Mamãe, papai, água, foram palavras recebidas com muita emoção e euforia em nossa casa - como são recebidas em quase todas no mundo inteiro, com certeza. Talvez por isso eu tenha demorado a perceber que ele não estava dando ao ato de falar seu sentido mais glorioso: o de interagir com o outro, com a fala do outro.

Aos 2 anos de idade ele já tinha um banco de dados mental incrível de palavras, inclusive, já lia algumas delas, surpreendendo adultos por onde passava. Só nunca usava uma sílaba para se comunicar com outra criança, para pedir um brinquedo ao coleguinha, para dar um "oi", por exemplo. O que me diziam sempre: ele é um criança muito sozinha, não tem familiares por perto e o círculo de amizades de vocês é muito restrito; quando entrar na escola vai dar um salto. 

Ele foi para a escola aos 2 anos e 4 meses. O estoque de palavras e pequenas expressões aumentava, contudo, a comunicação não evoluía como esperado. Bento sabia o nome de todos os coleguinhas, alguns sobrenomes, e não se interessava em brincar com eles, conversar, chegar perto. Com os adultos da escola a relação era diferente, amigável e muito próxima. Conquistava professores, porteiros, auxiliares, com o jeito carinhoso que lhe é peculiar. Mas, mesmo com eles, tinha a dificuldade de dialogar, pois era algo que não exercitava com os demais pequenos, de idade equivalente; só depois descobrimos que essa dificuldade de conversar é uma das características de crianças dentro do espectro do autismo, por mais que elas falem pelos cotovelos. E que melhorar a "conversação" era um divisor de águas na questão da interação.

Uma das coisas que mais martelou na minha cabeça, quando o primeiro profissional sugeriu que meu filho, prestes a completar 3 anos na época, tinha um transtorno de desenvolvimento foi: eu deveria ter percebido antes, buscado ajuda antes, começado a intervir antes. Se ele não falasse - como algumas crianças da mesma idade e algum atraso de desenvolvimento - acredito que o sinal vermelho teria acendido mais rápido. Conversando com a fonoaudióloga dele essa semana, foi justamente isso o que ela me disse: a tendência é que as crianças que falam iniciem mais tarde as intervenções. Foi nosso caso. 

Por isso hoje, diante de qualquer relato de amigo ou desconhecido sobre atraso de fala (tecnicamente se diz atraso de linguagem) em alguma criança da família, sou taxativa e até chata: procure um especialista, não demore. "Cada criança tem seu tempo"? Sim, existem variações de tempo para o desenvolvimento, mas existem também marcos que devem ser respeitados.* Infelizmente, muitos pediatras ainda usam a frase entre aspas, pseudo-tranquilizando pais e impedindo o início precoce do tratamento. Se essa é uma opinião pessoal? É, entretanto, há estudos que coincidem com ela.**

Atraso de fala pode não significar uma síndrome ou transtorno específico (o que muitos temem, e continua sendo fundamental investigar, acima de temer). Ainda assim, pode fazer crianças demonstrarem características indesejadas, capazes de atrasar seu desenvolvimento em áreas diversas, como: dificuldade de interação, de entendimento/aprendizagem, birras,  estereotipia, entre outras. 

Depois de nosso investimento em comunicação, várias das características de Bento dentro do espectro autista foram amenizadas. Não resolvemos o problema, estamos trilhando um caminho que parece longo, mas é gritante o quanto ele tem melhorado a interação com crianças e assumido melhor o controle das emoções com o desenvolvimento, agora funcional, da fala. Se tenho uma receita pronta, como a de bolo da vovó? Não. O que posso é adiantar três ingredientes, além do amor e da paciência cotidianos: fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia.

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** A maior parte dos pediatras não encaminha a criança com alteração no desenvolvimento de linguagem no período adequado. Essa é a conclusão do estudo da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo – USP – e publicada na Revista CEFAC (Atualização Científica em Fonoaudiologia e Educação).

Fonte:

*http://brasil.babycenter.com/a25010089/sinais-de-atraso-no-desenvolvimento-da-fala-e-da-linguagem

**http://guiadobebe.uol.com.br/os-riscos-do-atraso-no-diagnostico-de-problemas-de-fala/

2 comentários:

  1. Verdade o meu todo mundo dizia cada crianca tem seu tempo e o tempo passava e o menino não dava sinal de melhoria

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    1. Se todo mundo que dissesse essa frase completasse com: cada criança tem seu tempo, mas qualquer tempo é tempo de agir... A frase ficaria mais completa! 😘

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