terça-feira, 16 de agosto de 2016

O que as estereotipias comunicam

Você já se viu nervoso diante de uma situação que lhe provocou euforia extrema - tipo, conhecer um ídolo ou o primeiro amor? Esse nervosismo, que também pode aparecer em momentos negativos (medo, vergonha), talvez tenha se dissipado pelo seu corpo através de comportamentos também extremos: tremores, choro, tique nervoso. As suas mãos podem tremer incontrolavelmente quando você avista o microfone e imagina que dali a poucos segundos vai falar para uma plateia; a sua voz pode sair trêmula não importa quão importante você seja ou quanto conhecimento acumule; as mãos podem produzir suor excessivo.

Tentar controlar tudo isso no momento exato da explosão é quase impossível. O seu corpo está comunicando ao exterior algo que você, racionalmente, não desejaria dizer: não estou no controle das minhas emoções. Lembrando que você é um adulto.

Agora vamos falar das estereotipias nas crianças com TEA/autismo: balançar o corpo para frente e para trás, abanar as mãos, bater a cabeça na parede, repetir frases incansavelmente etc. Pode ser que seu filho apresente algumas delas e sua reação imediata ao saber que ele está iniciando mais uma sequência é impedir que continue com aquilo. É uma reação óbvia, e eu, como mãe, entendo seu instinto completamente, pois sinto como você sente. 

Então, diante de uma multidão ou de um lugar desconhecido ou de um barulho incômodo, seu filho começa a balançar o corpo sem parar ou a sacudir as mãos. É um comportamento indesejável e todos os terapeutas lhe disseram que deve ser cortado, pois não gera comunicação. Você concordou na hora, entretanto, agora, observando bem seu pequeno, você percebe que o fato de movimentar o corpo daquela maneira estranha parece aliviar momentaneamente sua sensação de inadequação àquele ambiente/momento. Desse modo, você está entre a cruz e a espada: desviar o foco ou tentar compreender com astúcia o que seu filho está tentando lhe dizer e não pode expressar com palavras. Talvez se durante uma crise nervosa alguém pudesse impedir que o seu corpo de mãe tremesse, ele buscaria outra alternativa de expressão do estado emocional - e posso apostar que seria uma mais brusca. 

Veja bem, não estou fazendo "apologia" ao comportamento estereotipado, mas, diferente do que ouço muito por aí, acredito que ele tenha função comunicativa, sim. Quem sabe nós pais e terapeutas possamos, além de podar à foice as estereotipias, mostrar ao nossos filhos que o que eles querem passar com aqueles movimentos todos também possui equivalente em palavras. Ou seja: no lugar de abanar as mãos é possível dizer apenas "estou feliz" ou "quero sair daqui", a depender da situação. Se sua opção é parecida com isso, esteja preparado, pois esse nível de compreensão pode demorar a chegar. Evidente que se a estereotipia envolve autoagressão deve ser contida de imediato, sem que jamais deixe de ser lida nas entrelinhas num segundo momento. 

Son Rise e "juntar-se"

Nos meus primeiros contatos com o espectro do autismo através de pesquisas sobre linhas terapêuticas adequadas, conheci o programa Son Rise que, como outros, trabalha a motivação da criança como chave para a aprendizagem. O Son Rise acredita no potencial ilimitado de cada criança e considera os pais ferramenta essencial para o desenvolvimento dos filhos. 

Um ponto marcante e polêmico desse programa enfatiza a importância dos comportamentos repetitivos da criança, sugerindo que o adulto deve se juntar a ela nesses comportamentos e rituais. Isso ajudaria na criação de afinidade, no contato ocular e no desenvolvimento social, além de abrir uma porta para a inclusão de novos comportamentos.

Quando li isso pela primeira vez, pensei: maluquice! Meses depois, enquanto meu filho apresentava a estereotipia de pular e bater os braços, vi um menino se aproximar e espontaneamente imitar o mesmo movimento. No ato, meu filho pareceu sentir alguma atração pela outra criança, olhou rápido, riu timidamente e pude acompanhar meio incrédula o nascimento da interação entre os dois. Tempos após, assim que viu seu comportamento imitado pelo coleguinha, Bento riu sem disfarçar e desenvolveu o ímpeto de abraçá-lo. Numa fase à frente, meu filho começou a imitar os movimentos livres que o outro fazia. Eu nunca interferi nesse processo, apenas acompanhei com a euforia de uma espectadora entusiasmada. E não tive como não lembrar do que tinha lido sobre "juntar-se" e Son Rise meses atrás.

É claro que esse post não é um incentivo à utilização do programa - que sequer conheço a fundo - mas, com certeza, é mais uma tentativa de reforçar aos pais que temos filhos únicos e que nossa percepção materna/paterna pode nos dizer muito sobre o que eles sentem e pretendem expressar para além da auto-regulação da estereotipia. Precisamos e precisaremos sempre de apoio profissional terapêutico, porém, não há linha inquestionável. Aliás, em se tratando de TEA/autismo e de vida real, desconfie de tudo aquilo que você não possa questionar.

+ sobre Son Rise http://autismoblog.com.br/metodo-son-rise/

+ sobre estereotipias http://autismoerealidade.org/noticias/autismo-vamos-falar-das-estereotipias/

2 comentários:

  1. Isolda, gostaria de parabenizá-la por este trabalho e agradecê-la pelos lindos textos, escritos com muita franqueza e repletos de informação. Eles têm me ajudado imensamente!
    Minha filha não foi diagnosticada com TEA/autismo, mas apresenta um transtorno de comunicação social. Enquanto buscávamos essa resposta, mergulhei em seus textos e me identifiquei demais, principalmente ao sentir neles aquele amor imenso que temos por nossos filhos, misturado com o medo de vê-los crescerem sem que consigam conquistar autonomia. No final, o que todos desejamos é que eles sintam-se aceitos e felizes, como qualquer indivíduo. Vamos lutar por isso!
    Mantenha-se firme e com toda essa coragem!Abs.

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    1. Raquel, obrigada pelo seu comentário. Esse não é um blog que dita nada - o definitivo não existe em termos de maternidade, em termos de maternidade com necessidade especiais também não. Esse blog é uma expressão do meu amor pelo meu filho e como esse amor orienta as escolhas que consideramos (o pai e eu) melhores para ele agora, sempre considerando as reações da criança linda e feliz que ele é. Você compreendeu direitinho com qual espírito escrevo, o que me guia. Eu gostaria de escrever mais, de me atualizar mais, de absorver um pouco mais desse mundo, mas sou uma apenas, sou mãe de dois, sou esposa, profissional, dona de casa e encontrar uma lacuna nessa listinha de afazeres é raro. Sou como a maioria de nós, mulheres, é: incansável e, no amor, mais ainda. Beijos e boa sorte com sua menina. Juntas, vocês vão minimizar as dificuldades.

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