sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Espectro autista e ecolalia

Ecolalia: só se for para dizer "eu te amo" (arquivo jan. 2016)
Transcrição de diálogo entre Bento, 3 anos, e eu na padaria há poucos dias.

Bento: O que é isso?
Eu: Chocolate.
Bento: Eu quero chocolate.
Eu: Mas, você acabou de comer biscoito.
Bento: Puxa vida!
Eu: Guarda lá o chocolate.
Bento: Caramba!
Eu: Então, você pode levar esses dois caramelos.
Bento: Não é justo!

A risada foi geral na fila do pão. Ouvi expressões como "que lindo", "que fofo". De fato, meu filho é lindo e fofo,  mas o que ninguém ali sabia é que aquelas falinhas em tom  de espontaneidade eram ecolalia. O que é ecolalia: grosso modo, a repetição da fala do outro. Seus tipos mais conhecidos são a ecolalia imediata (repetição logo após a fala modelo) e ecolalia tardia (após um tempo maior de sua produção)*.

Até os 2 anos, meu filho utilizava muito a ecolalia imediata. A gente falava e lá estava ele a repetir. No começo,  como tudo, era bonitinho, tipo papagaio, demorou um pouco para que eu e o pai dele começássemos a olhar aquele ato como não natural e mecânico.

Agora, aos 3 anos e 3 meses - reconhecidamente depois de iniciar um trabalho com a fonoaudióloga - podemos dizer que ele abandonou a ecolalia imediata, mas intensificou a ecolalia tardia. Isso quer dizer que posso lhe ouvir repetir dez vezes ou mais num só dia coisas como: "O que é bicicleta? Bicicleta é um veículo de duas rodas".

Sim, ele memoriza perguntas e respostas. Faz isso a qualquer tempo. Apesar de irritante e desgastante para quem convive com ele, reconheço que a ecolalia o tem ajudado de uma maneira meio torta no processo de dialogar. Algumas expressões, perguntas e respostas para início de conversação ele têm treinadas, como: bom dia, boa tarde, boa noite, qual o seu nome, o nome dos seus pais, onde o seu pai trabalha, nome da sua escola etc. Porém, como se trata de um processo mecânico, a simples mudança de uma palavra da pergunta pode fazer com que ele se perca na resposta. Contra isso, venho trabalhando variações, mas a assimilação é lenta.

No começo da aquisição da fala é comum a toda criança a repetição;  repetir é também aprender, mas a continuidade do processo não deve depender da repetição nem ela pode tomar o lugar da espontaneidade.  Não falo isso como profissional que não sou, digo com minha observação e carinho de mãe.

Considero que somos privilegiados nesse processo pelo fato de Bento só utilizar a ecolalia dentro do contexto. Conversei com algumas mães sobre isso, e posso compartilhar delas a vivência de que a ecolalia fora do contexto, além de não auxiliar em nada, pode atrapalhar e muito a comunicação. Imagine uma criança autista com dificuldade de interação,  falando frases repetidas e fora da conjuntura social. Acontece nas melhores famílias,  pode acontecer na minha e na sua também.

Para todos os casos, a avaliação de um fonoaudiologo é essencial. Nós, mães, que já nascemos com o chip da bravura, temos a mania de achar que tudo se resolve com amor e paciência. Nem tudo, é o que posso lhes dizer.  Para muitos casos teremos que usar os elementos citados anteriormente mais o auxílio de um profissional. Ajuda não nos diminui, pelo contrário, engrandece.

Ah, e tenho uma ecolalia preferida na minha colação: eu te amo demais.
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Fonte: aqui.

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