sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Nós e as birras dos nossos filhos

As birras também falam de nós (Google Imagens)
Existem milhares de textos na internet falando sobre birras. Como evitar, como controlar, como fazer com que nossos filhos se livrem definitivamente delas. Até eu, que costumo não acreditar em fórmulas mágicas, já me vi sentada à frente do computador em busca de uma saída para essa pedra universal no sapato de mães e pais. 

Bem, não há uma saída. Pelo menos não uma única, dado a excentricidade de todas as crianças. Birra, manha, chilique, escândalo, acesso de raiva. Chame como quiser. Não é coisa de autista, é coisa de criança. Uma reação à contrariedade. Então, por que as crianças autistas passam por tantas crises, até mesmo sem uma causa aparente? Uma das hipóteses que aceito para o caso do meu filho é a de falha na comunicação. Muitos autistas têm dificuldade de processar informação/comando que estão recebendo e de expressar suas vontades e emoções mais simples. Nesses casos, a birra é uma maneira "torta" de tentar se fazer entender ou de mostrar que está perdido em sua total falta de entendimento. 

Com 3 anos de idade, Bento, através da fala, consegue se expressar bem e também mostra compreender quase tudo o que é necessário para manter a rotina de uma criança da idade dele. Porém, essa é uma realidade nova, não foi sempre assim. Até chegarmos aqui, enfrentamos muitos ataques sem sequer entender o que estava se passando. Por isso, se alguém pergunta como "resolvi" a questão da birra (castigo? surra? privação?) sai meio inconformado quando respondo que foi investimento em comunicação. Digo comunicação, pois a fala é apenas uma das maneiras de comunicar, embora seja comum confundir "falar" e "comunicar-se". 

Sua última grande birra foi na natação, quando mudamos a cor da touca que ele usa nas aulas (de amarela para azul marinho). Ele reclamava diariamente da touca antiga, de silicone: esse material puxava seus cabelos e o machucava na hora de pôr e de retirar. Ainda assim, ele não aceitou a nova, mais confortável e de tecido maleável. Inicialmente, por ser de cor diferente (eu não encontrei outra amarela) e depois porque sentiu que a textura também não era igual. Essa birra se repetiu por três dias até que ele aceitasse a touca nova. Seus componentes explosivos eram: choro na piscina, gritaria, isolamento, negativa de toque (ninguém podia se aproximar). Três dias? Sim. O segundo dia foi melhor do que o primeiro e o terceiro melhor que os anteriores. De qualquer forma foram 3 dias. Três dias de conversa, incompreensão, vontade de jogar tudo para o alto, paciência, revolta, choro - de ambos os lados. Três dias que foram embora e eu desejo que não voltem, jamais. 

De todo modo, o que tenho a acrescentar sobre esse tema não é didático, é carga emocional. Costumamos olhar a birra como uma pequena ou grande tragédia. Se estivermos em público ela vai devastar nossa capacidade materna/paterna com julgamentos de toda espécie. Será que existe coisa pior do que o olhar de reprovação quando estamos pedindo compreensão como quem pede socorro? Deve existir coisa pior sim, existe com certeza. Contudo, no momento exato da birra, é como se não existisse. 

Antes, quando eu presenciava uma criança tendo uma crise dessas, tentava me colocar no lugar da mãe - para olhar menos, julgar menos. Hoje, ponho minha intenção totalmente no filho, penso no que ele está querendo dizer e não tem palavras ou não tem maturidade suficiente para se expressar de uma forma menos contundente. Falei maturidade, não idade. 

A birra em particular, no conforto do lar, não é menos trágica. Eu considero a mais perigosa, pois é em casa que podemos ser quem realmente somos. Em casa podemos reagir ao grito com gritos mais altos. Podemos ofender, agredir. Podemos perder o controle que o olhar de fora nos impõe. As birras de Bento estão raras e cada vez mais espaçadas, mas, quando vêm, costumam me destruir emocionalmente. Por isso tomo todo o cuidado do mundo com elas, para não extrapolar as emoções. 

O que as crises de birra me ensinaram foi que a maneira como as encaro tem muito mais a ver com meu estado emocional (triste, estressada, cansada etc.) do que com o estado emocional do meu filho. Contra elas não existe remédio além da paciência, de esperar passar. Tentar acalmar - no ápice do comportamento - geralmente piora o quadro. Conter, então, só em caso de destruição, agressão ou autoagressão (que, felizmente, ele nunca apresentou). A comunicação a que me referi no início do texto não serve no momento da birra. É para antes ou depois dela, com os ânimos completamente restabelecidos. 

Nunca poderemos controlar o que sentimos, mas podemos controlar o que fazemos. Nossos filhos não têm a mesma facilidade, nem de sentir nem de realizar. A partir do momento em que consegui enxergar a situação desse ponto de vista minha reação às birras mudou. Buscar entender foi meu grande primeiro passo, como se estivesse pisando na lua pela primeira vez.

2 comentários:

  1. Meu filho tem aspergerm, ele ate hoje lamenta um lapis velho, surrado que caiu num bueiro há 2 anos , fala que era de estimaçao ...

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    1. Ana Lúcia, incrível como é difícil tirar essas coisas da cabeça deles, não é verdade? Parece que estão engessadas e por mais que a gente tente remover só sairão no dia que eles mesmos não quiserem mais mexer nelas. Obrigada pela contribuição é visita! Beijos.

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