segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Uma Menina Estranha: por que li e recomendo

Capa do livro (Google Imagens)
Temple Grandin é uma norte-americana de 68 anos, PhD em Ciência Animal, referência em sua área de atuação. E autista. Quando tive conhecimento dessa autobiografia, quis, imediatamente, ler. Primeiro: adoro leitura. Depois: estava ficando um pouco cansativa essa coisa de só ler o que os outros têm a falar sobre autismo, quis saber o que um autista tinha a dizer sobre a própria condição. 

Acho importante começar com a informação de que Temple não falou até quase 4 anos de idade. Gritos e murmúrios eram sua principal forma de comunicação vocal. Nessa época, sua mãe recebeu recomendação médica de interná-la em um hospital psiquiátrico: provavelmente ela jamais falaria nem levaria uma vida normal. Se hoje o diagnóstico de Transtornos do Espectro Autista (TEA) ainda levanta tantos questionamentos e fomenta insegurança, imagine na década de 1950, poucos anos depois do termo "autismo" ter sido utilizado pela primeira vez. Muito pouco se sabia sobre o transtorno e formas de tratamento; mesmo assim, a mãe de Temple preferiu seguir algo que todas nós temos, mas vivemos subestimando: o instinto materno. Ela levou a menina para casa e começou a estimulá-la como pode, percebendo suas aptidões. Buscou um psiquiatra infantil confiável e investiu, principalmente, na educação regular da filha, no convívio com outras crianças da mesma faixa etária. 

Como meu filho é uma criança de 3 anos, senti forte ligação com a narrativa da menina que foi Temple, pelos desafios que enfrentou desde muito pequena, sem perceber direito o porquê de, para ela, coisas simples parecerem tão desafiadoras. Sei que como cada criança é única, todo autista é também único. Ler Temple Grandin, então, não foi como estar lendo Bento, mas muitas das características que a fizeram ser considerada estranha em todas as fases da vida meu filho já possui. Confesso, com isso, que foi uma viagem imaginária ao interior de alguém que parece não estar ligado, a todo instante, ao mundo a que pertence, porém, busca essa ligação em gestos, às vezes, imperceptíveis. E que essa busca não é apenas com o sentimento de pertencer, e sim, de ser feliz e deixar aos outros sua contribuição pessoal.

Ainda compõem o livro apresentação e prefácio de especialistas em comportamento infantil e educação, anexos com questionários clínicos (respondidos), informações técnicas para pais, professores e outros profissionais que estão lidando com uma criança ou um adulto com autismo. Há também uma descrição detalhada, com ilustração, da máquina de pressão (ou máquina do abraço), projetada e produzida por Temple Grandin com a finalidade de induzir crianças mais velhas e adultos autistas a aceitar o toque, a reduzir a hiperatividade e a superexitação do sistema nervoso. 

Temple se vê hoje como uma autista recuperada (ou em recuperação) não porque acredite numa improvável cura do autismo, mas porque reconhece o quanto chegou longe, apesar do rótulo quase incapacitante de "estranha" que sempre carregou. Ela credita isso a ajuda e ao amor da família e de outras pessoas. 

Apesar de não ser um livro doutrinário - e a nenhum momento se propor a isso - o grande ensinamento que Uma Menina Estranha me deixa é que nós, pais, ou competentes, devemos, além de tentar corrigir constantemente as falhas que o autismo provoca no comportamento de nossos filhos, esforçar-nos por identificar o que pode ser convertido potencialmente e desenvolvido em forma de habilidade. Uma fixação, por exemplo, que tanto nos aterroriza, pode sinalizar um grande interesse a ser trabalhado em nossas crianças, contudo, é necessário enxergar para então direcionar. 

"É preciso descobrir o que desperta o interesse e a fantasia da criança. Se, por exemplo, ela passar o dia inteiro junto à privada, dando descarga o tempo todo, é necessário investigar se ela está fascinada pelo som,  ou pelo funcionamento do comando, ou ainda pela relação de causa e efeito. Essa fixação da criança pode ser o ponto de partida para a motivação de outros interesses" (pág. 142). 

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GRANDIN, Temple e SCARLANO, Margaret M. Uma menina estranha:autobiografia de uma autista. Tradução Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

4 comentários:

  1. Olá Isolda,meu nome é Márcia e amo ler os seus posts. Obrigada por cada texto!!! Um grande abraço a vcs.

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    1. Marcia, bem vinda! Fico feliz com suas visitas e seu comentário. Amo escrever, e encontrar alguém que diz amar o que escrevo é sempre emocionante para mim. Um grande abraço. A porta aqui estará sempre aberta.

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  2. Oi Isolda eu li seu texto sobre a questao das pessoas falar muito que os autistas sao sempre genios...mas que tb os autistas podem tb ser como qualquer outra pessoa sem precisar ser rotulado de genios.

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    1. Exatamente. E mesmo os que são gênios devem ser enxergados primeiramente como pessoas. A genialidade com certeza não é a coisa mais importante que ele tem a oferecer. Essa é minha maneira de ver. Obrigada pela visita! Beijos

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