segunda-feira, 18 de julho de 2016

O poder da interação social

O poder pode estar nas nossas mãos 
Duas coisas me deprimiram quando comecei a detectar sensíveis diferenças no desenvolvimento do meu filho - então, com 2 anos e meio - e relacionar essas diferenças com o espectro do autismo: ele teria dificuldade nas suas relações pessoais e de autonomia. Imaginar que meu pequeno garoto, em seu começo de vida, enfrentaria um verdadeiro dilema para desenvolver habilidades que, até então, considerava naturais para qualquer criança, realmente me fez sofrer bastante - e ainda faz, embora hoje eu tenha um pouco mais de entendimento e uma melhor perspectiva. 

Posso dizer que essa mudança de reação tem a ver com uma percepção simples, mas que custou chegar: dificuldade não é o mesmo que impossibilidade. Se algo é difícil para meu filho, isso não quer dizer que ele não vá realizar. Quer dizer que ele pode precisar de mais demonstração e repetição, mais atenção e mais auxílio para lidar com questões que outras crianças se habilitam sem ao menos sentir que se trata de um processo com diversas etapas. O auxílio a que me refiro não tem relação com superproteção, deve ser entendido como um encorajamento à autonomia; acompanhar até quando ele pareça pronto a seguir sozinho para tomar suas próprias decisões certas e erradas. É um caminho longo, mas desde que percebi que tenho função nessa caminhada vivo em cada propósito  a possibilidade vê-lo mais feliz.

Há uma semana conclui a leitura de "Olhe nos meus olhos - minha vida com a Síndrome de Asperger", de John Elder Robison, diagnosticado depois de adulto. Bento não tem diagnóstico de Asperger, porém, como a síndrome também faz parte dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), há mais semelhanças do que diferenças com as demais categorias. Com uma incrível aptidão para a engenharia elétrica, o que mais me tocou nessa biografia foi ver o autor assumir em vários capítulos que embora tivesse marcante déficit na interação social - dificuldade de olhar nos olhos, interpretar expressões faciais, entender metáforas, além ter interesses restritos e comportamentos repetitivos -, ainda assim, sua grande busca a vida inteira foi se aproximar das pessoas. Essa aproximação não foi pacífica desde a infância. Em uma passagem, ele conta que quando criança tentou afagar uma coleguinha que gostava muito com um pedaço de pau. Para todos ali, no jardim da infância, o gesto soou apenas agressivo, ninguém entendeu (e ele não seria capaz de explicar na época): era uma tentativa insana de se aproximar. Obviamente, resultou em afastamento.

Muitas descrições do autismo e Asperger descrevem pessoas como eu "não querendo contato com outras pessoas" ou "optando por brincar sozinho". Eu não posso falar em nome de outras crianças mas gostaria de ser muito claro sobre meus sentimentos: eu nunca quis ficar sozinho. E todos aqueles psicólogos infantis que disseram "John prefere brincar sozinho" estavam completamente enganados. Eu estava sozinho como resultado das minhas próprias limitações, e estar sozinho foi uma das mais amargas decepções da minha vida, quando criança. A dor daqueles primeiros fracassos me seguiu durante a idade adulta, mesmo depois que eu aprendi sobre Asperger", (p. 191).

Robison reconhece ainda algo que considero fudamental para qualquer criança com TEA/autismo e mais ainda se ela tiver uma grande habilidade: a importância de estabelecer relações e vínculos sociais. Dotado de uma aptidão evidente, ele poderia ter se tornado um gênio na área, mas não valeria à pena se isso lhe custasse o preço de não ter uma vida comum de empresário e chefe de família, participar do cotidiano do próprio bairro e junto aos amigos de infância - que atravessaram com ele a seara da estranheza - ver ressurgir a equipe de basquete da cidade onde ainda mora.

Os talentos de nenhuma criança devem ser abafados, pelo contrário, porém, existem habilidades primárias (como a sociabilização, a comunicação, a autonomia) que merecem grande atenção por parte dos pais ou responsáveis e estímulo constante (profissional e doméstico). A interação com crianças da mesma faixa de idade, talvez seja o grande trunfo para o desenvolvimento de muitos pequenos com TEA/autismo. E é preciso que se diga: interagir é partilhar - não apenas estar perto. É se dirigir a outras crianças e pessoas em geral com intenção comunicativa, iniciar diálogo e manter-se nele, prestar atenção ao que o outro diz, reconhcer expressões da face e do corpo, entrar em sintonia com a emoção dos outros etc. A maioria das crianças sem transtorno de desenvolvimento já alcançam esse nível de interação antes dos 3 anos de idade; crianças atípicas podem demorar um pouco ou muito mais.

Sim, existem pais que reforçam os interesses fixos e repetitivos dos próprios filhos e o isolamento social. Eu prefiro acreditar que fazem isso por desconhecimento. Mais valioso, certamente, seria investir em interação. Detalhe: será mais difícil e demorado. Quando uma criança com TEA/autismo rejeita estar na presença de outras isso não, necessariamente, quer dizer que ela não gosta de crianças. A fuga, o afastamento e até a agressão podem ser um pedido de socorro de quem não tem palavras ou não consegue expressar com elas uma imensa falta de traquejo social que também atormenta e fere.

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