segunda-feira, 20 de junho de 2016

Brincadeira é aprendizagem

Brinquem, filhos (arquivo pessoal/jun. 2016)
A gente sempre acha que sabe tudo, a certeza é uma fase que nunca passa. Começa na infância inocentemente, atravessa a adolescência com ares de revolta, chega a vida adulta repleta de embasamentos religioso, científico, filosófico, (...), e, enfim, é sepultada com a teimosia da velhice.

Há cerca de um mês, depois de mais uma daquelas gripes recorrentes na pré-escola, uma amiga me contou que vai tirar o filho da escolinha por recomendação da pediatra. Até aí tudo bem, embora de cara qualquer um possa considerar exagero, trata-se de uma sugestão médica, e deve estar fundamentada em razões que apenas essa profissional e a família do menino têm conhecimento. O absurdo foi a frase complementar, naquele momento antes de fechar a porta do consultório e chamar o próximo: "Não vai causar mal nenhum tirar da escola, nessa idade eles não aprendem nada, só brincam".


Esse não é o primeiro nem será o último absurdo dito por pediatras. Aliás, sem generalizar, está cada vez mais difícil conseguir um médico para confiar a saúde e o bem estar das nossas crianças. Nesses grupos de WhatsApp, então, é uma verdadeira dança das cadeiras. Sempre há uma mãe perdida, atrás de uma boa indicação. Falta empatia, compromisso e muitas vezes falta profissionalismo mesmo.


Retomando o assunto: se você tem um filho no espectro do autismo ou fora dele já deve saber que a criança aprende enquanto brinca. Não há mistério nessa sentença. E se um dia for preciso falar disso num tom mais sério, cite a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Os três reconhecem o ato de brincar como direito essencial ao desenvolvimento infantil. 

Fui uma criança que brincou desesperadamente durante toda a infância. Estava sempre imaginando, esperando os primos chegarem para tramarmos juntos, correr na rua com brincadeiras sem fim e quando o dia acabava sabíamos que na manhã seguinte teria mais. Íamos dormir exaustos, completamente acabados e, às vezes, com os pés pretos de grude. 


Com as crianças de hoje é diferente. Os jovens avós trabalham e não tem tanto tempo disponível, os primos são quase sempre poucos e distantes e ter um irmão está se tornando artigo de luxo. A brincadeira da rua migrou para o play dos prédios; as crianças já não se encontram umas nas casas das outras, e sim nas praças de alimentação dos shoppings. Brincar tem um custo alto - a calcular pelo preço dos brinquedos. É claro que essas mudanças de rotina e concepção criariam uma geração com novos hábitos e também novas dificuldades. 

Muitas crianças sem nenhum transtorno de desenvolvimento catalogado têm desenvolvido problemas sensoriais e motores diversos, que geralmente se acompanham de reações psíquicas. Sensibilidade a texturas diferentes (areia, pedrisco, grama), falta de equilíbrio, medo de saltar, medo de altura, falta de concentração, ansiedade, dificuldade de socializar, entre outras. Para os pequenos com TEA/autismo todas essas dificuldades já podem vir como "itens do pacote" - seja pelo próprio déficit de comunicação/interação ou por razões orgânicas (como a hipotonia muscular, por exemplo). Quanto menos essas crianças tiverem o seu lúdico alimentado através de brincadeiras livres ou estruturadas e quanto menos forem expostas (com amparo profissional) a estímulos sensoriais que rejeitam, maior é a possibilidade das características do autismo se instalarem de forma cada vez mais problemática. 


Escola é um ambiente desafiador. Toda criança precisa ser desafiada e não apenas significar para os pais um desafio constante. Na primeira consulta do meu filho na psiquiatra ouvi: "Ele já está na escola? Se não está, procure uma imediatamente". Pré-escola é brincadeira, sociabilização e aprendizagem mediada por educadores. Há falhas no caminho? Muitas. E cabe aos pais observar e intervir, provocando melhoria. 

Nenhum pediatra sabe tudo. Nenhum pai, nenhuma mãe, nenhuma professora sabe ou absolutamente tem a obrigação de saber. Mas, é incrível como, ao contrário do conhecimento, a ignorância seja uma matéria tão fácil de transmitir. 

• DICA: 10 brincadeiras bacanas para fazer com crianças com TEA/autismo.

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