sexta-feira, 10 de março de 2017

Autismo e imitação: imite seu filho autista e estimule-o a imitar


Muitas famílias que vem até aqui já passaram pelo check list que os profissionais de saúde fazem quando chegamos aos seus consultórios com um conjunto de queixas que podem remeter ao espectro do autismo (pouco contato visual, ausência de linguagem/fala ou linguagem atípica, pouca interação social com outras crianças etc.). Essa lista para início de conversa a que me refiro tem alguns itens que vão desde “a gravidez foi planejada?” até “ele apontava as coisas quando bebê?”. É bem provável que você tenha resposta para se a gravidez do seu filho foi programada ou não, mas, quando ele apontou pela primeira vez, se ele imitava seus gestos com presteza quando bebê, por exemplo, são perguntas cujas respostas vão depender de uma memória exemplar ou de um belíssimo chute. Aliás, facilitaria nossas vidas se todas essas perguntinhas viessem no livrinho do bebê. Fica a dica.

No momento em que essas perguntas todas estão nos sendo dirigidas, nossa ansiedade, claro, vai nos fazer pensar: que raios de consulta é essa? Por que essa pessoa (médico, terapeuta) não vai logo ao xis da questão? Deve ser porque em autismo não existe xis da questão e sim uma cascata de xis – xis puxando xis – que, no início de tudo, nem desconfiamos que exista, contudo, questão de tempo, logo será familiar. 

Essa semana li um artigo muito interessante sobre autismo e imitação e me sinto na obrigação de dividir. Chama-se “Déficit de imitação e autismo: uma revisão”, publicado em 2011 pelo Instituto de Psicologia da USP. Talvez o fato do meu segundo filho, Tomé (1 ano e 8 meses) imitar, desde muito cedo, o que o irmão Bento (autismo leve/síndrome de asperger) faz e diz tenha sempre me chamado atenção para essa questão. Eu não lembro, mesmo, de Bento imitar tanto quando pequeno. Ele está com 4 anos e 4 meses. Imitações simples e provocadas, como as que a gente costuma fazer quando é mãe, ele fazia, tenho essas lembranças vivas de, por exemplo, ele fazer besourinho (cuspe) com a boca quando eu o estimulava. Aliás, eu tinha o maior orgulho de dizer que ensinei Bento fazer isso ou aquilo – quem nunca? – e um dos meus trunfos sempre foi o recurso da imitação, como é natural. Temos vídeos de momentos assim e vídeos são ótimos auxiliares nessa jornada. Agora, ver meu filho imitar as outras crianças em seus movimentos não tenho tantas lembranças, até poque a relação dele com pessoinhas de sua faixa etária sempre foi distante ou muito distante. Hoje ele imita tudo: passo de dança, personagem de TV, nosso jeito e voz. Mas, e na idade ideal para que isso tudo começasse a acontecer… aconteceu? Essa pergunta vai ficar solta no vácuo da minha desmemória. 

Voltando ao estudo da USP, soube através dele que desde o final da década de 1970 pesquisadores associam o antes chamado “distúrbio autístico” com a dificuldade de fazer imitações motoras. Qual a importância dessa afirmação? Vamos por aqui: assim como a dúvida de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, havia, na ciência, uma dúvida cruel a respeito de quem vem primeiro no autismo: a dificuldade de comunicação/linguagem ou a dificuldade de interação social? Numa ponta, cientistas defendiam que a dificuldade de se comunicar vinha primeiro e desembocava na dificuldade de interagir. Na outra, cientistas pensavam justamente o contrário, pela dificuldade primeira de interagir nasce a dificuldade de se comunicar. Hoje, há uma espécie de consenso de que a interação social está mais ao núcleo do autismo, mas naquela época não. Então, a partir da afirmação de relação entre autismo e imitação motora também foi possível colocar a deficiência social como primária no autismo, provocando inúmeras pesquisas nesse campo.

“Esse movimento foi fomentado por estudos que sugeriam que a imitação por parte das mães era fundamental para que as primeiras relações interpessoais com os bebês pudessem ocorrer. Esses resultados indicavam que déficits na capacidade de imitação precoce poderiam implicar em problemas no desenvolvimento das relações interpessoais do sujeito, como aqueles observados no autismo”.

Por que imitar é tão importante – você pode estar se perguntando –; a imitação não é apenas um reflexo? Não apenas, tanto que os pesquisadores colocam o ato de imitar como reflexo, sim, porém, “capaz de tornar-se ativo e consciente ao longo do tempo”. Dessa maneira, a imitação é tida como “um portal, uma via de acesso para experimentar um sentimento vitalício com outras pessoas, ou seja, como uma fundação para o compartilhamento de experiências em atividades, emoções e pensamentos”. Quando pensamos que a criança e o adulto com autismo tem dificuldade, às vezes, uma dificuldade imensa, de estabelecer esses tipos de conexões, temos uma pista de como a estimulação à imitação pode favorecê-los. Mas, não basta fazer com que eles nos imitem, nós também precisamos imitá-los. “Muitos experimentos comprovam que crianças com autismo apresentam maior capacidade de interação social quando são imitadas”, prossegue o texto.

Ainda de acordo com o artigo, a imitação aumenta o contato visual e a responsividade social (toque, vocalizações, gestos) nas crianças com autismo. Uma criança que cresce sem ser estimulada em sua capacidade de imitação pode ser significadamente prejudicada em seu desenvolvimento interpessoal, resultando em problemas de relacionamento, comunicação e mesmo movimentos restritos e repetitivos. 

“O que estaria em jogo na imitação é uma espécie de correspondência entre movimentos corporais e experiências internas entre as pessoas, o que possibilita a construção dos alicerces da comunicação e da relação interpessoal. Uma dificuldade de realização da imitação no autismo comprometeria seriamente o desenvolvimento dessa conexão entre o eu e o outro”.

Em mais de uma parte do estudo, os pesquisadores afirmam que crianças maiores ou adolescentes com autismo demonstram mais facilidade em imitar, alguns até em níveis parecidos com o de crianças e adolescentes do mesmo experimento sem autismo. Isso sugere que a imitação deve ser uma ferramenta utilizada nas intervenções terapêuticas para, estabelecendo com o autista um canal de comunicação, ajudá-lo a se desenvolver em suas relações interpessoais. 

Gostaria que todas as pessoas que chegaram ao final desse post, fossem até a fonte dele (vou repetir o link lá embaixo), é realmente um estudo muito interessante e que pode nos dar luz sobre como pensar e agir. Como pensar e agir não é algo que nós, mães e pais, refletimos diariamente ou sempre que nos deparamos com uma dificuldade a mais dos filhos? Será que os terapeutas que cuidam deles utilizam o recurso da imitação? Como utilizam? De que forma eles podem nos orientar a utilizarmos também em nossas casas e vidas? Quero deixar essas minhoquinhas nas suas cabeças hoje na intenção de que vocês busquem sempre. E nunca, nunquinha, desistam.


Leia mais: Crianças autistas se desenvolvem mais quando imitam outras pessoas http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/criancas-autistas-se-desenvolvem-mais-quando-imitam-outras-pessoas-3434940 

Fonte da imagem: Google Imagens.

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